Revista Historiador
www.historialivre.com/revistahistoriador
porto alegre - rs
 
ISSN 2176-1116
 
No. 1 - HISTÓRIA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO - 2008
 

Proposta da Revista

Serviço de e-mail
Primeira Página
 
.
.
 
 

SÃO PAULO: O NASCIMENTO DE UMA METRÓPOLE

Luiz Carlos Soares Pereira
Luana de Paiva Pires

Resumo
Este trabalho tem como objetivo propor uma reflexão através de um analise nas transformações sociais do final do século XIX e inicio do século XX na cidade de São Paulo. Para tanto, as questões econômica e social serão aqui analisadas. No final do século as elites cafeeiras paulistas promoveram uma remodelação no espaço urbano da capital paulista. Com isso, uma massa de despossuídos que habitava as áreas centrais é deslocada para áreas periféricas, gerando, obviamente, uma segregação social. O ideário de modernidade das elites paulistas, associadas à prática higienista, prestou-se a projetos no sentido de transpor o atraso do país em relação a outros grandes centros urbanos do mundo. Concentramos nossa analise no drama que as classes despossuidas enfrentaram nesse período diante da dominação das classes dirigentes.
Palavras-chaves: Dominação. Resistência. Subordinação.


Este artigo tem como objetivo tratar das transformações sociais ocorridas no final do século XIX e inicio do século XX na cidade de São Paulo. Transformações estas que ocorreram no campo econômico, no campo político e no campo social. Todas com o objetivo de adequar a nova metrópole a um processo de modernidade. Para tanto, neste trabalho nos deteremos principalmente no campo social com o intuito de mostrar as formas de relações que se estabeleceram neste período e durante este processo de dominação, resistência e subordinação das classes desfavorecidas.

No final do século XIX as elites paulistas, enriquecidas pela exportação do café, começaram a mudar-se para a capital paulista, cidade que já sofria com uma explosão urbana. As imigrações para a metrópole ocorriam, ora para fugir das epidemias de cidades do interior, ou para fugir da vida dura do campo em busca de melhores condições de sobrevivência. Em 1888, com a abolição dos escravos, os libertos faziam o mesmo caminho, ainda durante o período final do século XIX e inicio do século XX, a capital recebia imigrantes europeus e imigrantes vindos de outras partes do país. O que ocasionava um crescimento desordenado da cidade na passagem do século, causando, o aumento desenfreado de uma população de marginalizados. Por outro lado, a elite cafeeira, enriquecida pela exportação do café, começou a mudar-se para a cidade com um ideário de modernidade, detentora de poder político tanto no âmbito estadual como nacional, pretendia apagar os traços que lembrassem um passado provinciano e inserir São Paulo num contexto mundial das grandes metrópoles como Nova York, Chicago, Londres e Paris e torná-la ainda o centro econômico do País. O café condicionou o desenvolvimento da Província, e este posicionamento é ratificado por BRUNO apub HOLANDA (1954, p. 889).

O começo do movimento regular de constituição de sociedades anônimas; a fundação do segundo Banco do Brasil; a primeira linha telegráfica, a organização do Banco Rural e Hipotecário e a primeira estrada de ferro do país. Particularmente agiria sobre o destino da cidade de São Paulo [...] (BRUNO, 1954, p. 889).

Como se vê, São Paulo sofreu diretamente os reflexos desta modernização, como por exemplo a implantação das estradas de ferro que articularam o interior paulista para escoamento da produção.

Na capital, concentrava-se toda a estocagem da produção cafeeira, assim como na cidade de Santos, esta, porém, de grande importância para o desenvolvimento da metrópole sendo que além de deter o porto, continha casas comerciais, escritórios, armazéns e postos de arrecadação o que fazia com que homens de negócios se deslocassem para lá todos ao dias, a fim de dirigir as exportações e descargas. Toda esta movimentação de deslocamento diário afirma Ernani Silva Bruno; “motivava-se pelo fato de São Paulo ter um clima agradável e Santos sofrer com temperaturas excessivas no verão” (BRUNO, 1954, p. 903).

Este processo de ocupação dos centros urbanos no país, não está relacionado a fatores ligados à industrialização, mas sim a um processo que se inicia no período imperial por medidas governamentais para dinamizar a economia do país e que tem influência direta nas classes pobres e despossuídas. A “Lei do Ventre Livre”, de 1871, que declarava livre todo o filho de mãe escrava que nascesse após a promulgação desta lei; a “Lei do Sexagenário”, de 1885, que decretava alforria a todos os negros maiores de 65 anos e, finalmente a “Lei Áurea”, de 1888, que determinou o fim da escravidão são exemplos clássicos desse processo migratório para centros urbanos. Neste mesmo âmbito também as imigrações de europeus para o Brasil que dentro de um processo de uso de mão-de-obra, primeiramente para suprir a carência das lavouras de café, tem enorme relevância no inchaço das cidades (BRUNO, 1954, pp. 908-911).

Assim, por volta do ano de 1897, a população paulistana chegava aos trezentos mil habitantes. O produto deste processo cruel e excludente por parte das classes dirigentes, foi que os negros libertos foram despejados de suas residências onde trabalhavam nas lavouras de café, devido uma lógica nova nas relações de trabalho. Os negros com isso buscavam as cidades à procura de emprego, residência ou então ficavam perambulando pelas cidades, e acabavam juntando-se a uma parcela de pobres que já existiam nas cidades. Paralelamente a este processo as elites paulistanas também se moviam do interior do estado para instalar-se na capital. E são eles que vão remodelar o espaço urbano, transformando a cidade a seus gostos e seus ideários. A metrópole que nascia passa a ser marcada por grandes contrastes, ou seja, uma cidade de inúmeras fronteiras. Ernani Silva Bruno apub Caldeira Brant nas suas “Memórias de um Estudante”, observou esta transformação;

Alguns anos mais tarde – em 1897 – com seus trezentos mil habitantes e apesar de suas ruas maltratadas, seus bondinhos de burro e seu aspecto ainda um tanto “colonial”, ela já podia deslumbrar, por exemplo, os estudantes provincianos que vinham de Minas. “Para quem viera de Ouro Preto – observou Caldeira Brant nas suas Memórias de um Estudante - aquilo era uma Paris em ponto pequeno. Não me fartava de passear pelo Triangulo, entrando nos cafés e confeitarias.” (BRUNO, 1954)

Na década de 1880, o centro da cidade foi totalmente transformado, suas praças e jardins públicos foram reorganizados. Em 1900 e 1910 inúmeras obras transformaram a paisagem urbana, sempre sobre o comando do prefeito Antônio Prado que exerceu quatro mandatos consecutivos. (1899-1910) Ainda durante este período, praças foram abertas, ruas foram alargadas, criou-se o parque do Anhangabaú e reformaram-se os jardins da praça da Republica. Em 1913 inicia-se a construção de uma nova catedral, enfim São Paulo adquiriu ares europeu com passeios e gramados bem cortados e edifícios, e ainda o Teatro Municipal inspirado na Ópera de Paris. O mercado financeiro o comércio sofisticado juntando ao espaço de lazer, destinado à elite, e enormes palacetes foi o que se concentrou no centro.

As elites instalaram-se em regiões altas como Campos Elísios e Higienópolis e a população pobre que habitava o centro fora deslocado para zonas baixas próximas a rios e córregos, onde os efeitos das chuvas freqüentemente eram sentidos. Este foi o processo de transformação do espaço urbano que combinou com uma política paralela que organizou para as elites uma cidade dentro da cidade. Portanto, das áreas centrais foram afastados todos aqueles que não podiam enfrentar uma inflação que em 1916 e 1936 chegou a 450% no centro e a 364% nos arredores do centro. Este processo que a cidade de São Paulo sofreu nos âmbitos arquitetônicos e sociais, foi um projeto do poder publico e das elites no sentido de inserir a cidade em um novo modelo de social, sustentado por um ideal positivista e capitalista onde tinha como objetivo a reordenação dos espaços geográficos. Os resultados destas novas concepções foi o controle das ruas pelo poder publico e a “limpeza” das famílias indesejadas das áreas centrais da metrópole paulistana.

Neste contexto, a virada do século foi de grandes mudanças não só para São Paulo, mas também em todas as grandes cidades do país. O novo regime republicano, o fim da escravidão, a imigração, as ferrovias e a incipiente industrialização redefiniam as condições de trabalho. Estas mudanças para uma minoria da população representavam progresso, mas para a grande massa representava miséria e exclusão. Com o aumento de marginalizados, as elites paulistanas, diante deste quadro de alterações sociais tomam para si o controle das ruas, criam-se mecanismos de dominação, que em contra partida abrem-se focos de resistência proletária. Durante o império as relações de trabalho eram baseadas na força, na coação, no autoritarismo e violência, já no período republicano as práticas de coação dão lugar a um sistema jurídico (AZEVEDO, 1995, p. 63). E é o judiciário, conforme afirma a historiadora Gislaine Campos Azevedo, que se afirmara dentro desse processo.

Cada vez mais o judiciário irá se apresentar como um espaço e caminho de construção e afirmação das demandas das classes dominantes sobre os setores populares [...] Aos poucos, o poder (re)constituía-se atendendo aos apelos dos “cidadãos” e definindo novas leis e padrões de comportamento com o objetivo de delimitar espaços a esta população apresentada, muitas vezes, como perigosa (AZEVEDO, 1995, p. 63).

Todo este processo não só de São Paulo, mas de outras metrópoles levou as autoridades competentes a desenvolverem um aparato policial com a finalidade de garantir os direitos do cidadão, a ordem e o respeito com objetivo de intimidar através do uso da violência. Se anteriormente as relações de ajuda a pobreza estavam ligadas à caridade, e as relações de trabalho eram delineadas pelo escravismo, agora as práticas são disciplinadoras para os pobres, sejam no espaço publico, nas relações de trabalho ou na família. Neste ambiente, São Paulo crescia vertiginosamente e os problemas se acumulavam, as reclamações cresciam pela falta de policiamento, de saneamento básico, de moradias, de instituições adequadas para envio da população classificada como perigosa, e principalmente pela falta de uma legislação moderna. Os problemas enfrentados pelo poder público e, especificamente, o Poder Judiciário, esbarravam na falta de uma legislação que atendesse essas demandas, visto que as que possuíam eram do período imperial, e o novo Código Civil só foi terminado em 1916 e passando a vigorar um ano após (PATTO, 1999, p. 172).

Todo este período foi marcado pela repressão das classes dominantes a vários movimentos do proletariado em São Paulo, como na Cia. Doca Santos, em 1904, a greve dos ferroviários em 1906, na greve dos colonos das fazendas de café em Ribeirão Preto, na primeira greve geral com cinqüenta mil trabalhadores da cidade de São Paulo em 1917 entre outras (PATTO, 1999, p. 172). É interessante ressaltar que esses movimentos embora fossem de grande impacto no modelo capitalista no país, não tinham força devido a um sistema corporativista das oligarquias estaduais. As alianças e um sistema de clientela nos setores rurais não agregavam forças para os movimentos urbanos diferenciando-se de movimentos ingleses, por exemplo, os quais se articulavam tanto na luta proletária como em modalidades de crimes.

À medida que o judiciário se adequava ao novo sistema tornava-se cada vez mais alto o número de prisões pelo aparato policial. Crimes como os de contravenção viraram corriqueiros em São Paulo, destacando-se os estrangeiros com a “desordem”, os brasileiros com “vadiagem”, delitos estes geralmente imputados aos negros. Azevedo em sua dissertação de mestrado explana uma vasta documentação deste período e observou o trabalho do chefe de policia da capital paulista onde demonstra que eram correntes estas práticas nos documentos oficiais do período.

[...] tendo notado em junho que o numero de mendigos estrangeiros crescia notavelmente na capital, tratei de pesquisar e verifiquei que os pontos mais populosos eram elles preferidos, porque ahi a colheita de esmolas era mais prompta e copiosa. Soube até de mendigos de fora da capital que aqui vinham chamados por parentes ou collegas, explorar aquela vantagem. Determinei então, que lhes fosse vedada à entrada no centro da capital e noutros pontos mais concorrido [...] (RIBEIRO, 1993).

Mediante estas questões, o trabalho era a forma de evitar a mendicância ou a criminalidade . Para isso, as crianças começavam a trabalhar aos cinco anos, em fábricas em condições desumanas, tudo para complementar a renda familiar. Em fábricas têxteis conforme afirma Maria Alice Ribeiro em seus estudos, analisando as condições das mulheres e crianças nas indústrias paulista neste período, o que vem a ser de grande relevância para identificarmos as perspectivas de trabalho desta época. Evidência que nas indústrias em 1894 empregava-se 5.019 operários. Deste total, 840 eram do sexo feminino e 710 eram menores de idade. Portanto, quem restava ficava fora do mercado de trabalho, logicamente o destino eram as casas de assistenciais sempre dentro de um ideário dominador, de assistência, primeiramente, mas com o direito de reprimir ou penalizar os que não se enquadravam dentro deste modelo social da nova metrópole. E é dentro desta lógica que o resultado não se resumiu à fronteiras sociais, mas também no controle das ruas, intervenção em moradias e segregação espacial. Dentro desta analise das relações econômicas e sociológicas Massimo Quaini apub F. Engels explica este processo social, decorrido na Inglaterra em 1845 construindo uma análise dialética e nos mostrando o esplendor da miséria da primeira grande cidade capitalista.

Esta imensa concentração, esta aglomeração de dois milhões e meio de homens em um só ponto centuplicou a força destes dois e meio; elevou Londres à posição de capital comercial do mundo, criou gigantescas docas [...] Mas é somente em seguida que se descobre quantos sacrifícios custou tudo isso. Após ter pisado por alguns dias o chão das ruas principais, após ter penetrado com grande dificuldade no formigueiro humano, entre as filas intermináveis de tílburis e carroças, a pos ter visitados “bairros feios” da metrópole, somente então se percebe que estes londrinos tiveram que sacrificar a parte, melhor de sua humanidade pra realizar todos aqueles milagres de civilização de que sua cidade esta repleta, que centenas de forças latentes neles permaneceram inativas e foram sufocadas para que só alguns pudessem desenvolver-se mais plenamente[...] (QUAINI, 1995, p. 51-52).

Decorridos mais de cinqüenta anos, as semelhanças ou analogias dentro de uma análise econômico-sociológica identificaremos problemas semelhantes, claro que em proporção menores, mas que aqui no Brasil assustava as elites dominantes e requeria medidas enérgicas (QUAINI, 2002, p. 145). Esta justificava do presidente Washington Luís, quando foi secretário de Justiça e da Segurança Pública de São Paulo, classificando as questões sociais e os conflitos como “caso de polícia”, assegura todas as medidas políticas implantadas no período da primeira república como às práticas higienistas das quais trataremos a seguir.

Na formação da nova metrópole, os cafeicultores não mediram esforços, seja no âmbito econômico ou no âmbito social, com o objetivo de reorganizar o espaço urbano, modernizando todos os seguimentos para as elites, o que gerava duas São Paulo, delimitando uma fronteira social, justamente num período transitório político onde vários segmentos da burguesia brasileira buscavam seu lugar neste cenário.

O Crescimento de São Paulo, na virada do século XIX, é proporcionado pelo desenvolvimento da cafeicultura, e pelo novo sistema por ele implantado, o trabalho assalariado. O trabalhador assalariado passava a ser consumidor na economia de mercado diferentemente do escravo que só integrava a economia de subsistência. O crescimento das exportações gerou um aumento da renda real, os trabalhadores transformavam a totalidade, ou quase, de sua renda em artigos de consumo isso favoreceu o crescimento do mercado interno. São Paulo transforma-se em uma grande metrópole, pois constituía um mercado de capital e trabalho que proporcionaram uma rápida expansão do mercado interno, fatores fundamentais para o desenvolvimento das indústrias.

Até 1930, o café era o grande motor da econômica brasileira. Porém, o crescimento da indústria paulista foi o fenômeno que promoveu novas alternativas no contexto social e econômico brasileiro, criando condições para o surgimento e a modernização da cidade, embora não ampliasse vigorosamente as oportunidades de trabalho, afinal, houve significativo refluxo de mão-de-obra nas atividades ligadas ao campo, especialmente o cultivo do café. Este processo teve como conseqüência um problema de ordem social, um grande contingente populacional que não fora absorvido nem pelo café, nem pela indústria nascente, crescia as margens deste sistema.

Instalaram-se em São Paulo fazendeiros do café, que precisavam ver de perto a comercialização do produto, vinham com suas famílias e passaram a gastar parte da renda obtida com o café na cidade. Isso favoreceu a expansão dos setores de serviço artesanato, comercio varejista e alguns setores da indústria. São Paulo desenvolveu também um grande mercado de trabalho devido chegada de imigrantes, como a cidade era ponto natural de passagem destes imigrantes, acabava absorvendo grande parte destes. Desenvolvem-se hospedarias para os imigrantes, onde os fazendeiros procuram por mão-de-obra e os trabalhadores por empregos. Estabeleceram-se na cidade, negros e mulatos, os quais desde a abolição, viviam à margem da sociedade.

A vinda de imigrantes materializou a teoria de embranquecimento e agravou o racismo, não dando plenos direitos de cidadão os negros, e prejudicando a incorporação destes na indústria nascente. A absorção dos libertos e forros pelo mercado de trabalho, exigia adequações culturais e maior presença do Estado. O Estado deveria conceder diretos de cidadão. O problema tornou-se também racial, pois o negro para as elites brancas não era como as outras etnias, não sendo, desta forma, inserido no mercado de trabalho e nem na sociedade. Para justificar a não incorporação do negro, as elites utilizaram-se de teorias “cientificas” como o darwinismo social, baseado na crença da inferioridade dos não brancos. A mestiçagem, da qual o povo brasileiro era fruto, foi negada e inferiorizada por intelectuais da época que queriam dar características positivas ao povo brasileiro. Negando a participação do negro nesta formação e caracterizando a mestiçagem como algo pejorativo.

A adequação econômico-social do Brasil no novo sistema foi lenta, o sistema monetário existente no país era inadequado ao trabalho assalariado. Os trabalhadores tinham seus salários afetados pela taxa cambial, quando havia depreciação cambial ora pela queda dos preços das exportações ora pela expansão creditícia imoderada, gerando inflação, que era muito sentido nas zonas urbanas que consumiam grandes partes de produtos importados. Em épocas de crises faziam-se fortes pressões sobre a classe assalariada das zonas urbanas.

Os trabalhadores pobres vendiam sua força de trabalho por um salário miserável que muitas vezes não dava para seu sustento, então se dedicavam também a outras ocupações. Os negros, por sua vez, viviam em condições piores. A abolição sem reforma agrária, os deixou sem as mínimas condições de sobrevivência, sofrendo preconceito racial, tinham menos condições para arrumar empregos. Por isso, muitas vezes se submetiam a viver como agregados em casa de famílias ricas, em funções domésticas sem remuneração, ex-escravos, viviam em condições de escravos.

A grande população, nas zonas urbanas, favorecia os proprietários, pois as pessoas se sujeitavam à longas jornadas de trabalho, sem direito a férias e só recebiam os dias trabalhados, em caso de doenças não recebiam. Os salários eram pagos por semana o que dificultava manter-se em greves. O grande número de desempregados, pessoas que viviam em condições mínimas, teve como conseqüência o aumento da violência. Muitos roubavam para poder sobreviver, outros se entregavam aos vícios, como alcoolismo. Os registros policias da cidade de São Paulo, sobressaem três ocorrências a de vadios e capoeiras, que eram atribuídos a negros, mulatos e brancos podres, para denominar as infrações cometidas por estes, usava-se como sinônimo a vadiagem. Era grande o numero de furtos feitos pelos “vadios”, que batiam carteiras, roubavam alimentos, roupas e sapatos, conseqüência da falta de oportunidades.

O período da República Velha é marcado pelo conflito entre a população e os policiais. Conflito entre a velha e a nova ordem, tensão da transição do escravismo para o trabalho assalariado, desenvolvimento industrial, movimentos operários entre outros. O Estado que deveria amenizar as tensões, dando diretos sociais à população, porém, estavam juntamente com a polícia diretamente ligados às classes dominantes. Os representantes do governo eram oriundos destas classes, e os policiais tinham boas relações com os oligarcas, reprimiam a população fazendo representar os interesses da classe dominante. As populações eram atribuídas diversos crimes, porém estudos mostram que os policias também praticavam crimes.

A população era vítima tanto do abuso de autoridade como também de roubos feito pelos policiais. Os imigrantes eram as principais vitimas, quando lhes pediam os documentos, sacavam-lhes as carteiras e tinham seu dinheiro roubado. Além dos assaltos, muitas vezes aconteciam violências sexuais. Os policiais envolviam-se com jogos e prostituição, formas que os marginalizados encontravam de sobreviver.

Os pobres viviam em cortiços, sub-habitações, com condições sanitárias precárias, e o perigo de epidemias era um fator constante. Os sanitaristas alertavam, pedindo intervenção do setor público, como alternativas construíram-se moradias populares, o que não solucionou o problema, pois o número de pessoas que viviam nestas sub-habitações eram muito grandes. Então, a administração pública do estado de São Paulo, com objetivo de prevenir epidemias, fruto da falta de higiene, proibiu construções de novos cortiços e derrubou os existentes, exigindo que as moradias construídas, a partir de então, seguissem normas de construção e higiene. Mas por trás disso, estava o interesse imobiliário, pois os pobres foram expulsos das áreas centrais para os subúrbios, e nos subúrbios se reinstalavam de formas semelhante à que viviam nos centros, porém, distante dos pontos de interesse imobiliário.

Como os trabalhadores não tinham condições para construir moradias, nos subúrbios persistiram as más condições de vida. Já nas regiões centrais, a reurbanização da cidade deu uma cara nova para as áreas nobres, afastando para a periferia os pobres, que continuam a estabelecer suas moradias desordenadamente. Essa foi uma conseqüência do novo sistema que excluía a maioria, que formava uma reserva estratégica de mão-de-obra, obrigando o trabalhador a submeter-se a baixos salários. Salários que não atendiam às necessidades básicas do trabalhador, possibilitando uma maior acumulação de capital daqueles que detinham os meios de produção.

Conclusão

Neste artigo, procuramos demonstrar as relações sócio-econômicas durante o período da Republica Velha e suas transformações neste período. Escolhemos a cidade de São Paulo, pois entendemos que do final do século XIX até a década de 1930, a população da capital paulista sofreu uma metamorfose em seu comportamento, hábito e modo de convivência. Período este, onde vários grupos sociais procuravam espaço e afirmação, seja no campo político ou econômico, ou na esfera federal e estadual. O certo, é que as elites cafeeiras de São Paulo condicionaram o desenvolvimento da província, época que a cidade se beneficiou da fixação dos imigrantes europeus.

Tamanha era a rapidez que a cidade de São Paulo crescia, que medidas do poder público foram necessárias para “civilizar” a população. A presença do aparato repressivo como medida de manter a ordem pública, assegurava-se em concepções político-filosóficas de cunho evolucionista. Através desse pretexto ou sob a alegação de que estava em jogo era a ordem pública, os donos do poder não mediam esforços para usar a força e retirar os indesejáveis que consideravam não aptos para este novo modelo social e econômico. O uso de métodos científicos e a hiegienização foram medidas que buscavam superar a humilhação frente ao atraso do país e a outros centros urbanos desenvolvidos. A resistência popular esbarrava na falta de estratégias eficientes para luta, e com isso o poder publico, se aparelhava principalmente nas esferas judiciais.

Desde o nascimento da Republica, uma das coisas que os governos procuraram aprimorar foi à polícia, a ela eram delegados poderes para garantir a ordem e o respeito. Diante disto, a violência, a repressão e a intimidação, resolviam as questões sociais da grande metrópole do país nesse período.

No nosso entendimento, o nascimento de um aparelho burocrático e moderno organizado pelas classes dominantes foi uma nova ordem que disciplinou a sociedade, portanto, neste período a ordem urbana foi instaurada, mesmo que tenha se chocado com as diversidades da vida cotidiana, pois ela se impôs, não se importando com as fronteiras sociais que ia criando, pois era tudo pela modernidade.

Bibliografia
AZEVEDO, Gislaine Campos. “De Sebastianas e Geovannis”. O universo do menor nos processos dos juízes de órfãos da cidade de São Paulo. Dissertação apresentada para á banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 1995. Disponível em: <http://www. dominiopublico.gov.br>. Acesso em 18 de maio 2008.

BRUNO, Ernani Silva. História e Tradições da Cidade de São Paulo. Volume III. Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro. 1954.

RIBEIRO, Maria Alice. História Sem Fim: Inventario da saúde publica. São Paulo (1880 – 1930). São Paulo: Unesp. 1993.

FAUSTO, Boris. O Brasil Republicano. Primeiro volume. Estrutura e poder. Editora Difel/ Difusão Editorial do Livro S.A. 1975.

FURTADO, Celso. Formação Econômica da Brasil. Companhia das Letras. São Paulo 2007.

PATTO, Maria Helena Souza. Estado, Ciência e Política na Primeira República: a desqualificação dos pobres. Revista Estudos Avançados – USP. 1999.

QUAINI, Massimo. Marxismo e Geografia. Editora Paz e Terra. 3ª. Edição. Rio de Janeiro. 1979.

SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. Ed. Da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1968.


SODRÉ, Nelson Werneck. Evolução Social do Brasil. Ed. Da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 1988.

www.historialivre.com/revistahistoriador
 

Sumário da Edição
Número 01

Tema da edição:
História do Brasil Contemporâneo
 
www.historialivre.com/revistahistoriador