ENSAIO
AO PENSAMENTO DE EUCLIDES DA CUNHA E A
VISÃO DO SERTANEJO NORDESTINO
Lianeide Brogni
Selma Barbosa Wolff
Tâmara Canabarro
Resumo
O presente artigo pretende demonstrar
alguns aspectos, que nos levam a acreditar
ser Euclides da Cunha, utilizando-se da
sua principal obra: Os Sertões,
um autor contraditório ao tratar
do sertanejo. Para tanto, iremos explanar
quais eram as influências ideológicas
de Euclides e as influências que
havia no seu tempo, bem como, o que encontramos
na historiografia a cerca da figura do
sertanejo no Brasil da República
Velha.
Palavras-chave: Euclides
da Cunha. Sertanejo. Nordestino.
Introdução
As temáticas que envolvem o estudo
do sertanejo brasileiro, sem dúvida,
devem levar em conta a obra de Euclides
da Cunha. Não somente a sua obra
literária: Os Sertões, mas
a sua contribuição histórica
a cerca do sertanejo, do seu modo de vida,
seu meio de subsistência e o seu
referencial antropológico contido
nela. Dentro desta perspectiva, temos
por objetivo esclarecer os questionamentos
levantados após a sua leitura,
os quais vão desde os motivos que
levaram Euclides a, talvez, modificar
a sua visão sobre o sertanejo,
até, o desmembramento das correntes
teóricas que o influenciavam. Completando
esta análise iremos abordar a visão
do sertanejo nordestino da época
através da historiografia mais
recente, a qual vai de encontro com o
modo que o enxergamos. Baseando-nos nesta
análise conseguiremos demonstrar
que o sertanejo brasileiro na República
Velha foi um forte sim, mas não
como Euclides da Cunha o considera. O
sertanejo nordestino brasileiro foi um
sobrevivente do esquecimento e da periferia
de uma nação concretizada
no litoral e sob um regime político,
que não incluía tipos como
o seu, apenas, os reprimia e, no caso,
exterminava. O branqueamento da sociedade
era uma das determinações
da época e, para isso, quem não
se enquadrava era jogado para o interior
do país, ou, para as periferias
das cidades como acontece na formação
das favelas, por exemplo.
O Pensamento de Euclides da Cunha
O autor, Euclides da Cunha (1866-1909)
engenheiro, positivista como seu mestre
Benjamin Constant, anti-monarquista e
abolicionista, com uma visão progressista
da História, foi repórter
de O Estado de São Paulo, acompanhando
a luta de Canudos, em 1897. Suas reportagens
foram reunidas em Canudos: Diário
de uma expedição. Mais tarde,
retomando estas reportagens, as transforma
em A luta e forma com A terra e O Homem
seu livro: Os Sertões (1902). A
obra, então, foi dividida nestes
três capítulos: I: A Terra
(meio) em que ele analisa o condicionamento
geográfico; II: O Homem (raça)
em que analisa física e psicologicamente
o sertanejo e III: A luta (momento) em
que narra as quatro expedições
do governo contra Canudos.
Na literatura, sua obra é classificada
como pertencente ao período Pré-Modernista,
fase em que os escritores voltam-se para
a valorização das tradições
do interior do país, onde fixam
um mundo prestes a desaparecer. A princípio,
Euclides da Cunha, vê a Guerra de
Canudos com a mesma visão unilateral
de todos, que só sabiam o que lhes
era divulgado: um levante contra a República
pretendendo à volta do regime monárquico.
Nosso estudo tem como base de análise
o capítulo “O Homem”
que será tratado a seguir. Neste
capítulo, Euclides da Cunha, inicia
tentando esclarecer, como mostra o subtítulo,
a ”Complexidade do problema etnológico
do Brasil”.
Inicialmente, Euclides da Cunha diz que
tenta esboçar os traços
atuais mais expressivos das sub-raças
sertanejas do Brasil, pois para ele, seria
uma raça efêmera e que urgia
ser analisada e registrada como parte
da História. O autor é o
primeiro na época a afirmar que
a complexidade das raças no Brasil
é um problema que está apenas
delineado, não tentando - como
fizeram os outros cientistas da época
- encontrar um tipo etnológico
único. As três raças
principais seriam: o negro banto, o indo-guarani
e o branco derivando destas os mestiços
mais característicos: o mulato
(produto do cruzamento do negro e do branco),
o mameluco ou curiboca (derivado do cruzamento
do branco e do tupi) e o cafuz (produto
do cruzamento do tupi e do negro). Demonstra
isso a seguir:
O brasileiro, tipo abstrato que se procura,
(...) só pode surgir de um entrelaçamento
consideravelmente complexo.
Teoricamente ele seria o pardo, para que
convergem os cruzamentos sucessivos do
mulato, do curiboca e do cafuz. (CUNHA,
71, 1985)
De
acordo com o autor, na fusão das
raças deve-se levar em conta a
função mesológica
e a histórica. Ele explica que
alguns autores exageram a predominância
do silvícola, outros, a do africano;
mas que todos erram por não estarem
à procura de um tipo étnico
único, sendo que alguns exageram
a função do africano e outros
decretam a extinção do silvícola,
prevendo o triunfo da raça branca
como superior e mais forte. Porém,
na opinião do autor: Não
temos unidade de raça. Não
a teremos, talvez, nunca. (CUNHA, 72,
1985)
Acrescentando ainda: A nossa evolução
biológica reclama a garantia da
evolução social. Estamos
condenados à civilização.
Ou progredimos, ou desaparecemos. (CUNHA,
72, 1985)
Euclides da Cunha explica que não
podemos ter um tipo étnico único
primeiramente porque temos três
climas (ou habitat) distintos: o francamente
tropical (norte ao sul da Bahia), o temperado
(de SP ao RS) e, como transição,
o subtropical (alongando-se pelo centro
e norte de MG ao PR). A partir disto,
o autor descreve o clima destas regiões,
envolvendo o leitor como se o levasse
in loco. Contudo, estabelece as relações
do clima com o comportamento e características
dos habitantes do local: O calor úmido
das paragens amazonenses, por exemplo,
deprime e exaure. (CUNHA, 79, 1985)
Nesta próxima citação,
percebemos a influência do darwinismo
social, tão em voga no final do
século XIX:
A seleção natural, em tal
meio, opera-se à custa de compromissos
graves com as funções centrais,
do cérebro, numa progressão
inversa prejudicialíssima entre
o desenvolvimento intelectual e o físico,
firmando inexoravelmente a vitória
das expansões instintivas e visando
o ideal de uma adaptação
que tem, como conseqüências
únicas, a máxima energia
orgânica, a mínima fortaleza
moral. (CUNHA, 79, 1985)
Além
disso, ele ressalta que no caso especial
do brasileiro, variou demais, nos diversos
pontos do território, as dosagens
dos três elementos especiais; chegando
à conclusão de que: Não
há um tipo antropológico
brasileiro. (CUNHA, 84, 1985)
Contudo, o autor destaca que, no Brasil,
a primeira mestiçagem ocorreu entre
o silvícola e o branco, mas que
o primeiro foi se tornando inexpressivo
aumentando a classe dos brancos e dos
pardos:
Sem idéia alguma preconcebida,
pode-se afirmar que a extinção
do indígena, no Norte, proveio,
segundo o pensar de Varnhagem, mais em
virtude de cruzamentos sucessivos que
de verdadeiro extermínio. (CUNHA,
pg. 85: 1985)
Neste
trecho, percebemos uma das contradições
do capítulo de Euclides da Cunha,
que ora exalta a predominância do
silvícola, ora nos diz que sua
fraqueza (própria da raça),
o levou ao desaparecimento. Posteriormente,
o autor explica como a forma de colonização
do norte e do sul se diferenciava e como
isto influencia a diferenciação
destas raças; ao mesmo tempo em
que mostra a importância dos rios
para as entradas, quando se iniciou a
colonização dos sertões.
A partir do momento em que começa
a definir os antecedentes históricos
do jagunço, o autor começa
a desprezar a influência do africano
na mestiçagem do sertanejo:
Entretanto, em que pese a esta invasão
de vencidos e infelizes, e à sua
fecundidade rara, e suas qualidades de
adaptação, apuradas na África
adusta, é discutível que
ela tenha atingido profundamente os sertões.
(CUNHA, 86, 1985)
Ressaltando
que ocorreu uma distinção
fundamental entre os mestiços do
litoral e os do sertão, sendo que
os primeiros, como viviam na costa, sofriam
influência estrangeira, bem como,
justifica que o africano temeroso não
adentrou o interior, pois, os engenhos
de açúcar o prendiam à
costa; por outro lado, nos mestiços
do sertão, houve uma maior influência
do silvícola, o que o torna superior.
Referindo-se aos sertanejos ele ressalta
o aspecto insular deste:
Porque ali ficaram, inteiramente divorciados
do resto do Brasil e do mundo, murados
a leste pela Serra Geral, tolhidos no
ocidente pelos amplos campos gerais, que
desatam para o Piauí e que ainda
hoje o sertanejo acredita sem fins. (CUNHA,
91, 1985)
Definindo-a
como “Tróia de taipa dos
jagunços”, o autor explica
a originalidade desta região, que
permaneceu com o elemento indígena
dominante, ao contrário do que
ocorreu no litoral:
Ora toda essa população
perdida num recanto dos sertões,
lá permaneceu até agora,
reproduzindo-se livre de elementos estranhos,
como que insulada, e realizando, por isso
mesmo, a máxima intensidade de
cruzamento uniforme capaz de justificar
o aparecimento de um tipo mestiço
bem definido, completo.
Enquanto mil causas perturbadoras complicavam
a mestiçagem no litoral resolvido
pelas imigrações e pela
guerra; e noutros pontos centrais outros
empeços irrompiam no rastro das
bandeiras – ali, a população
indígena, aliada aos raros mocambeiros
foragidos, brancos escapos à justiça
ou aventureiros audazes, persistiu dominante.
(CUNHA, pg. 94: 1985)
Ainda
sobre a típica raça sertaneja:
(...) o homem do sertão parece
feito por um molde único, revelando
quase os mesmos caracteres físicos,
a mesma tez, variando brevemente do mameluco
bronzeado ao cafuz trigueiro; cabelo corredio
e duro e levemente ondeado; a mesma envergadura
atlética, e os mesmos caracteres
morais traduzindo-se nas mesmas superstições,
nos mesmos vícios, e nas mesmas
virtudes.
A uniformidade, sob estes vários
aspectos, é impressionadora. O
sertanejo do norte é, inegavelmente,
o tipo de uma subcategoria étnica
já constituída. (CUNHA,
96, 1985)
Euclides
da Cunha, neste sub-capítulo “Um
parêntese irritante”, baseia-se
nas teorias raciais da época, compondo
uma teoria na qual mostra como é
prejudicial à intensa mestiçagem,
pois pode trazer elementos de uma raça
evoluída, degradando-os com os
elementos de uma raça que se encontra
em estágio inferior:
A mistura de raças mui diversas
é, na maioria dos casos, prejudicial.
Ante as conclusões do evolucionismo,
ainda quando reaja sobre o produto o influxo
de uma raça superior, despontam
vivíssimos estigmas da inferior.
A mestiçagem extremada é
um retrocesso. O indo europeu, o negro
e o brasílio-guarani ou o tapuia,
exprimem estádios evolutivos que
se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar
as qualidades preeminentes do primeiro,
é um estimulante a revivescência
dos atributos primitivos dos últimos.
De sorte que o mestiço —
traço de união entre as
raças, breve existência individual
em que se comprimem esforços seculares
— é, quase sempre, um desequilibrado.
(CUNHA, 96, 1985)
Ainda
sob influência das teorias cientificistas
do final do século XIX, o autor
ressalta a superioridade do branco e a
busca desta pelas raças inferiores:
O mulato despreza então, irresistivelmente,
o negro e procura com uma tenacidade ansiosíssima
cruzamentos que apaguem na sua prole o
estigma da fronte escurecida; o mameluco
faz-se o bandeirante inexorável,
precipitando-se, ferozmente, sobre as
cabildas alternadas (...) A luta transmuda-se
tornando-se mais grave. Volve do caso
vulgar, do extermínio do franco
da raça inferior pela guerra à
sua eliminação lenta, à
sua absorção vagarosa, à
sua diluição no cruzamento.
É que neste caso a raça
forte não destrói a fraca
pelas armas, esmaga-a pela civilização.
(CUNHA, 97, 1985)
A
partir deste subitem: “O sertanejo”,
Euclides, esboça a sua visão
a cerca deste tipo peculiar: O sertanejo
é, antes de tudo, um forte. Não
tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos do litoral. (CUNHA,
pg. 99: 1985)
Quer dizer: o sertanejo é um forte,
por um lado por ter conseguido sobreviver
ao seu meio geográfico, por outro
lado, por não ter absorvido a cultura
externa, não sofreu a decadência
física e moral do mestiço
do litoral. As antíteses se mostram
mais claramente também quando o
autor aponta o sertanejo ora como Hércules,
ora como Quasímodo. Isto é,
ele é um valente guerreiro ao mesmo
tempo em que deixa enganar os outros pela
sua aparência mirrada. É
desgracioso, desengonçado, torto.
Hércules - Quasímodo reflete
no aspecto a fealdade típica dos
fracos. (CUNHA, 99, 1985)
Ele segue, comparando o gaúcho
do sul com o vaqueiro do norte –
denominando-os tipos díspares -
assumindo uma visão romanesca a
respeito do gaúcho e enaltecendo,
mais uma vez, o sertanejo:
O vaqueiro é sua antítese.
Na postura, no gesto, na palavra, na índole
e nos hábitos não há
que equipará-los. O primeiro filho
dos plainos sem fins, efeito às
correrias fáceis nos pampas e adaptado
a uma natureza carinhosa que o encanta,
tem certo, feição mais cavalheirosa
e atraente. A luta pela vida não
lhe assume o caráter selvagem da
dos sertões do Norte. Não
conhece os horrores da seca e os combates
cruentos com a terra árida e exsicada.
(CUNHA, 101, 1985)
Finalizando
sua comparação explica:
O jagunço é menos teatralmente
heróico; é mais tenaz; é
mais resistente; é mais perigoso;
é mais forte; é mais duro.(CUNHA,
103, 1985)
É importante destacar a seção
que se destina a explicar o significado
da seca sobre o homem sertanejo:
A seca é inevitável. Então
se transfigura. Não é mais
o indolente incorrigível ou o impulsivo
violento, vivendo às disparadas
pelos arrastadores.Transcende à
sua situação rudimentar.
Resignado e tenaz, com a placabilidade
superior dos fortes, encara de fito a
fatalidade incoercível; e reage.
O heroísmo tem nos sertões,
para todo o sempre perdidas, tragédias
espantosas. Não há revivê-las
ou episodiá-las. Surgem de uma
luta que ninguém descreve –
a insurreição da terra contra
o homem. (CUNHA, 112, 1985)
Neste
fragmento acima, ele coloca a superioridade
do sertanejo como herói que passa
pela seca - que faz até mesmo a
natureza se contorcer - mas que apenas
fortalece o homem do sertão, que
está intimamente ligado com a terra.
Outro aspecto que influencia a formação
deste homem do sertão é
a religiosidade, destacada por Euclides
da Cunha, como um caso notável
de atavismo na história, sendo
Antonio Conselheiro um documento raro
deste atavismo:
Não seria difícil caracterizá-las
como uma mestiçagem de crenças.
Ali estão francos, o antropismo
do selvagem, o animismo do africano e,
o que é mais, o próprio
aspecto emocional da raça superior,
na época do descobrimento e da
colonização. (CUNHA, 115,
1985)
O
estudo de Euclides da Cunha a cerca de
Canudos representa um grande marco na
etnologia brasileira, apesar de seu pensamento
estar transversalizado pelas teorias da
época. Ele consegue perceber que
nosso país é indubitavelmente
diverso e, portanto, não pode seguir
esta visão míope e eurocentrista
de raça única, que se adapta
nos países europeus e que encontrou
aqui um obstáculo: a diversidade.
No Brasil, esta teoria se adaptou como
percebemos no texto do autor, mostrando
o branco como raça superior e as
demais raças como cruzamentos gerando
raças mestiças inferiores
e diferenciadas pela “qualidade”
deste cruzamento: ora através da
predominância do indígena,
ora da predominância do africano.
Portanto, o livro: Os Sertões -
se constitui mais que um informativo da
luta travada nos sertões, representada
pela Guerra de Canudos, ela é,
também, uma base teórica
para o pensamento antropológico
brasileiro. Desta forma iniciaremos as
discussões sobre as teorias científicas,
que influenciaram o pensamento antropológico
do início da República brasileira.
Teorias Científicas
Para que consigamos compreender a obra
de Euclides da Cunha de uma forma mais
completa, é estritamente necessário
que façamos uma análise
das idéias cientificistas, positivistas
e deterministas que influenciaram o autor,
ou seja, vamos buscar a origem do pensamento
de Euclides da Cunha e tentar enquadrá-lo
no contexto histórico-intelectual
em que viveu.
As teorias cientificistas começam
aparecer em medos do século XIX,
quando o mundo contemporâneo passa
pelo processo de renovação
econômica. Novas características
do sistema capitalista de acumulação
estão se formulando para atender
o contexto da época. Dentre essas
renovações estão
as de ordem científica, que permearão
a definição dos seres humanos
determinando suas variações
intraespécie.
Como sabemos os movimentos econômicos
e sociais das grandes potências
durante o século XIX desencadeiam
diversas questões a nível
mundial. Portanto, o que acontece com
elas reflete, sem dúvida, nas regiões
periféricas do mundo. No caso do
chamado Novo Mundo e, com ênfase
no Brasil que estamos tratando, isto se
intensifica muito, pois em sua maioria
é composto por nações
periféricas.
O desenvolvimento industrial buscou incessantemente
novos mercados consumidores, que por sua
vez não poderiam manter uma produção
fabril de destaque. Para tanto, as grandes
potências industriais acham nas
economias periféricas da Ásia
e América Latina a sua área
de atuação. Neste contexto
encontraremos o alvorecer das teorias
cientificistas, iniciadas na Europa, mas
também, difundidas nos Estados
Unidos. Com o objetivo de legitimar as
investidas imperialistas precisavam de
algo que os certificassem como superiores
e escolhidos para levar a civilidade a
todo o mundo. O modernismo, estruturado
pela industrialização e
pelo sistema capitalista, que nas questões
econômicas desconsidera fronteiras,
baseia-se nessa onda científica
que se alastra pelo mundo atingindo, assim,
o seu objetivo.
Neste pensamento, o imperialismo justificado
pelas teorias cientificistas, incorpora
nas sociedades periféricas essas
determinações com o objetivo
de dissolver as peculiaridades de cada
nação e harmonizá-las
com um padrão internacional ditado
pelo Velho Mundo.
Dentre essa perspectiva o livro lançado
em 1859 por Charles Darwin titulado: A
Origem das Espécies foi à
base para o desenvolvimento da ciência
a cerca das diferenças entre os
homens. Darwin expõe em seus estudos
a teoria da evolução das
espécies pela seleção
natural, o que contraria o cristianismo
e dá margem a superioridade de
uma raça sobre a outra, sendo que
uma é mais propensa à extinção
do que a outra.
Essa discussão é provinda,
dentro do campo social, desde a Revolução
Francesa, a qual foi influenciada pela
idéia de raça introduzida
por George Curvier – teórico
cientificista que diz existir diferenças
físicas hereditárias representativas
de cada grupo de seres humanos. Os ideais
igualitários da Revolução
Francesa se chocam com essa teoria, principalmente,
porque o termo raça vincula-se
ao termo cidadania.
Para tanto, algumas das principais questões
que a ciência irá estudar
são as origens e diversidades da
humanidade - tendo sempre em vista uma
resposta absoluta e verdadeira. O principal
debate sobre essa questão se dará
entre os monogenistas e poligenistas.
Os primeiros difundiam a ideologia divina
entre as diferenças humanas, sendo
elas determinadas pela maior proximidade
ou não do paraíso cristão.
Os poligenistas, baseados em estudos biológicos,
já acreditavam que havia diversos
núcleos de produção
correspondentes aos diferentes grupos
humanos (SCHWARCZ, 1993: 47). Como conseqüências
dessas duas visões, surgem no século
XIX, ramos da ciência dedicados
a esses estudos como, por exemplo, a frenologia
e a antropometria, que calculavam a capacidade
humana pelo tamanho do cérebro,
no caso, muito usadas para estereotipar
o sertanejo nordestino. A craniologia,
também, é outro exemplo
desse tipo de visão.
Os estudos de Darwin, então servem
de apoio para os poligenistas, que extrapolam
o termo raça da área biológica
para as questões políticas
e culturais. Muitas vezes a teoria darwinista
foi adaptada para determinar o que mais
fosse conveniente como, a legitimação
imperialista das grandes potências,
por exemplo. Nesse contexto o protestantismo
se espalhava pela Europa e, principalmente
entre as nações expansionistas.
Desta forma temos os seres humanos sendo
tratados como gênero classificado
de acordo com suas diferenças culturais
igualadas as diferenças entre as
espécies. Para tanto, quanto mais
longe uma espécie ficar da outra
melhor é para todas.
Entretanto, temos as questões de
miscigenação, isto é,
como se deveria tratar os grupos híbridos
da sociedade mundial. E, é nesta
perspectiva, que entramos no nível
brasileiro de teorias cientificistas acerca
da questão do sertanejo e, principalmente,
como Euclides da Cunha trabalha com isto,
sendo adepto ao positivismo. A maior parte
dos estudiosos e cientistas europeus e
norte americanos como Broca, Gobineau
e Le Bom, consideravam a miscigenação
um erro, uma quebra das Leis Naturais,
uma subversão do sistema. Segundo
Lilia M. Schwarcz: “Os mestiços
exemplificavam, segundo essa última
interpretação, a diferença
fundamental entre as raças e personificavam
a ‘degeneração’
que poderia advir do cruzamento de espécies
diversas”.(SCHWARCZ, 1993: 56).
A escola determinista intitulada como:
darwinismo social ou teoria das raças,
uma das quais Euclides da Cunha baseia-se,
acreditava que as características
adquiridas não eram transmitidas.
Isto é, existiam três raças
bem distintas o que invalidava a mestiçagem.
O mundo dividido culturalmente era conseqüência
da divisão de raças, e havia
a raça superior. Muitos autores
acreditavam nesses ideais como: Le Bom
que achava que o “gênero”
humano compreendia espécies de
diferentes origens. Taine que considerava
o indivíduo resultante direto de
seu grupo construtor e que raça
e nação são sinônimos.
Renase que acreditava na existência
e hierarquização das três
raças. E por fim Gobineau que afirmava
que o resultado da mistura era sempre
um dano. (SCHWARCZ, 1993: 56).
Essa ideologia casava perfeitamente com
os objetivos expansionistas europeus e
norte-americanos. A perfectabilidade de
uma raça deve-se a sua pureza determinada
pelas Leis Naturais e, é a partir
desta pureza que o desenvolvimento de
sua sociedade estava garantido, bem como,
a sua superioridade diante outras raças.
A Europa e os Estados Unidos difundiram
essas idéias pelo mundo, e elas
irão influenciar escritores e pensadores
de toda parte. Os europeus acreditavam
que compunham um grupo humano puro, livre
de hibridização e justamente
por isso era o responsável pela
civilização dos demais grupos
- argumento que justifica e legitima tanto
a colonização americana
como o expansionismo europeu, o fardo
do homem branco. Já os norte-americanos,
mesmo tendo sido colônia da Europa,
comprovaram seu desenvolvimento, principalmente
por terem evitado a miscigenação
entre o branco dominador e o negro escravo.
No Brasil, durante os primórdios
da República, existiam basicamente
dois projetos de nação:
o dos Liberais e o dos Conservadores.
Como sabemos, ambos não se diferenciam
muito a cerca de suas práticas,
mas nas influências teóricas
podemos exaltar a instrução
positivista dos conservadores. O positivismo
atua com veemência na construção
intelectual de Euclides da Cunha, que
vive no Brasil desta época extremamente
tomado pelas ideologias internacionais.
Embora, tenha parecido que as teorias
internacionais foram simplesmente reproduzidas
no Brasil, existiam desde meados do século
XIX produções científicas
preocupadas em definir uma noção
da formação nacional do
país. Para tanto, como simplesmente
aceitar e imitar teorias, que desmistificavam
a miscigenação se o Brasil
era extremamente organizado dessa forma.
Segundo Schwarcz: "cair em certo
reducionismo, deixando de lado a atuação
de intelectuais reconhecidos na época,
e mesmo desconhecer a importância
de um momento em que a correlação
entre a produção cientifica
e o movimento social aparece de forma
bastante evidenciada."(SCHWARCZ,
1993: 17); era tratar de qualquer lugar
menos do Brasil e da América latina
em geral. Então, para destacarmos
como se deu a difusão do cientificismo,
que buscou menosprezar certas raças
brasileiras com comprovações
genéticas, analisaremos um médico
difusor dessas idéias na época.
Sabendo-se que claramente as teorias internacionais
não foram desprezadas, mas adaptadas
às questões brasileiras.
As teorias científicas produzidas
no Brasil pareciam trazer uma proximidade
com a Europa ao “justificar cientificamente
organizações e hierarquias
tradicionais que pela primeira começavam
a ser colocadas publicamente em questão"
(SCHWARCZ, 1993: 18). Entretanto, o que
se buscava era sobrevivência do
Brasil por meio das leis científicas
que organizavam a sociedade brasileira
quanto ao seu caráter. Segundo
essa mesma vertente, recorrendo a leis
e métodos gerais, seria possível
encontrar as especificidades da evolução
brasileira e, assim, deduzir seu rumo.
Como apontou Sevcenko essa atitude seria
"uma versão desdobrada do
lema lapidar do positivismo: 'Prever para
Prover" (SEVCENKO, 1981: 103).
Com esse intuito pretendiam criar uma
ideologia própria para o Brasil,
a qual contemplasse seus diferentes aspectos.
Dessa forma, duas vertentes científicas
nascem: a primeira era acreditar no curso
natural dos acontecimentos, sublimando
as dificuldades presentes e transformando
a sensação de inferioridade
em um mito de superioridade; a segunda
era buscar um conhecimento profundo do
país para descobrir uma certa ordem
no caos presente. Euclides da Cunha estaria
no segundo grupo, não só
porque em momento algum aponta o embranquecimento
natural da população, mas,
principalmente pelas suas tentativas de
determinar um tipo ético representativo
da nacionalidade ou, pelo menos, simbólico
dela.
Raimundo Nina Rodrigues, médico
e antropólogo brasileiro foi o
fundador da antropologia criminal brasileira
e pioneiro nos estudos sobre a cultura
negra no país. Voltou à
Bahia para assumir a Faculdade de Medicina
da Bahia (1891), onde promoveu a nacionalização
da medicina legal brasileira, até
então inclinada a seguir padrões
europeus. Desenvolveu profundas pesquisas
sobre origens étnicas da população
e a influência das condições
sociais e psicológicas sobre a
conduta do indivíduo. Em Salvador
encontrou ambiente favorável às
pesquisas sociais. Tais pesquisas eram
herdeiras diretas da antropologia criminal
do médico italiano Cesare Lombroso
e, obviamente, do inicial positivismo
sociológico na área penal.
Era clínico, professor, escritor,
dietólogo, sexologista, legista,
higienista, antropólogo, biógrafo,
epidemiologista, etnólogo - Nina
Rodrigues foi um homem múltiplo.
Entre 1888 e 1892, escreveu vários
artigos para revistas médicas da
Bahia sobre seus ensaios antropológicos
de classificação racial,
tais como : Os Mestiços no Brasil;
e, também, sobre epidemias, casos
clínicos, higiene pública,
etc. Apóia a iniciativa de professores
da faculdade, que guardavam esqueletos,
chumaços de cabelo e recorte de
pele de índios do estado baiano
como material antropológico. No
terceiro congresso brasileiro de medicina
e cirurgia em Salvador, Nina Rodrigues,
apresentou um relatório da única
autópsia feita, por ele mesmo,
na Bahia durante uma recente epidemia
de influenza. Por conta da influência
dos arautos da antropologia criminal do
final do século XIX, Nina se identificará
com certos postulados de Francis Galton,
criador de uma teoria social posteriormente
denominada eugenia, e do darwinismo social,
as mesmas que envolvem Euclides da Cunha.
A teoria lombrosiana dizia, que a propensão
ao crime é algo hereditário
e poderia ser diagnosticado através
de traços anatômicos. Os
criminosos seriam casos evolutivos em
nosso meio sendo alguns indivíduos
desafortunados pertencentes desses genes.
A criminalidade presente nele seria tanto
física quanto mental, sendo os
primeiros os mais importantes. A cientifização
do fenômeno criminológico
inaugura uma febre de medições,
de exercícios antropométricos,
de invenções de instrumentos
de medição jamais vistos.
A medicina legal com toda essa bagagem,
através, da craniologia, da antropometria
e da frenologia ofereceu a medição
técnica e empírica que outras
áreas médicas não
possuíam. As especializações
médicas na França no final
do século XIX nas áreas
da cardiologia, ginecologia, laringologia,
etc. não estavam tão avançadas
como a medicina legal.
Num período em que a ciência
tornou-se uma fonte de preciosa legitimação
das análises sobre o social, a
medicina legal no Brasil foi uma das primeiras
disciplinas a conquistar um espaço
institucional próprio. Acontecimento
intimamente ligado à atuação
de Raimundo nina Rodrigues. O seu livro
intitulado: As Raças Humanas e
a Responsabilidade Penal no Brasil (1894)
pode ser considerado a introdução
desse projeto. Ele revela o crescente
debate entre médicos e juristas,
isto é, clássicos e positivistas.
Para o "direito clássico",
portador de uma concepção
liberal, os indivíduos estariam
investidos de uma consciência livre
e soberana. Já o "direito
positivo", com diversas nuances,
concebia o indivíduo como ato reflexo
de um meio genético e social únicos.
Os clássicos enxergavam uma linha
tênue entre criminosos e não
criminosos, enquanto que, os positivistas
achavam estar o criminoso a priori condicionado
por seus impulsos hereditários.
Desta forma este sujeito deveria ser encontrado,
curado ou deslocado da sociedade para
sempre. É o que aconteceu com o
sertanejo nordestino. O poligenista e
relativista Nina Rodrigues é bastante
explícito na sua defesa de que
os negros não poderiam ser tratados
em pé de igualdade com os brancos,
já que seriam inferiores biologicamente
e, portanto, incapazes de se conduzirem
como cidadãos em seus plenos direitos.
No contexto científico do final
do século XIX, o saber médico-legal
localizará nos corpos a fonte das
desigualdades sociais e terá como
meta à defesa da criação
de padrões diferenciados de acesso
à cidadania. Em especial, no Brasil,
este debate envolveu o tema do futuro
da nação pós-abolicionista
e republicana, onde a incorporação
de amplos segmentos da sociedade ao mundo
do trabalho e da política, sob
novas bases, tornou-se questão
central (SCHWARCZ, 1993).
O Sertanejo e a historiografia
Ao pensarmos na história da dominação
colonial como um processo de superioridade
racial, percebemos que foi o meio mais
obvio de tranqüilizar a consciência
da elite européia durante um longo
período histórico, que impregnou
a historiografia francesa, inglesa, alemã
e espanhola.
Segundo o autor Victor, a mestiçagem
e o preconceito de cor tiveram diferentes
proporções nas colônias
inglesas, nas francesas, nas holandesas
e nas portuguesas. A colonização
que antes era só no litoral começa
a rasgar sertão adentro formando
assim uma nova sociedade. Os que antes
não tinham trabalho, moradia ou
um lugar na sociedade, partem à
interior do sertão para construir
um lugar para se abrigar, podendo assim
ter a paz e a superação
do racismo, pois esse êxito vem
através de um novo caminho. Era
o que queriam e pregavam os sebastianistas,
que a partir do momento em que se deseja,
já é parte da realização.
Antonio conselheiro na década de
1890 já pregava esses preceitos
em Canudos para milhares de brancos, negros,
caboclos e mulatos.
Victor diz que no Brasil a problemática
a respeito do racismo não foi abordada
de forma satisfatória. Para tanto,
cita Euclides da Cunha como sendo um dos
que descreve o sertanejo e o mestiço
crivados de estereotipo racial, muito
em moda na época da República
Velha no Brasil, que na maioria das vezes
eram inspirados nas obras dos autores
franceses do século XIX. Ao falar
do sertanejo como sendo uma sub-raça,
dos negros e índios como raças
primitivas e dos cruzamentos das raças
como sendo um desastre genético,
Euclides, sucumbe diante de um materialismo
que estava em moda no século XIX.
Contudo, ao descrever o que vê em
Canudos, nos dá o mais belo e trágico
retrato do Estado republicano com toda
a sua violência e cinismo. E Antonio
Conselheiro como sendo o homem mais importante
da sua época, pois foi quem melhor
entendeu a fundo a alma do sertanejo,
do mestiço, do negro, dos sacerdotes
do sertão.
Para Victor a cultura brasileira foi desigual
e heterogênea, o sertanejo podia
ser polígamo com naturalidade,
ou até mesmo enforcar o seu próprio
filho para se manter no comando da tropa.
Havia uma psicologia em torno do homem
sertanejo, que não foi bem estudada,
pois a mais indicada para estudar o tema
seria a sociologia do isolamento. Este
isolamento faz com que o homem tenha uma
vontade extremada de se comunicar, esse
homem do interior era um bom anfitrião,
tratava bem os hóspedes, nunca
humilhou o estrangeiro. Conservou consigo
alguns bons hábitos que nas cidades
já não existem mais.
Na cultura sertaneja não existia
a separação do concreto
ou real e estes nunca se separavam do
ilusório. Nem tão pouco
a noção de tempo, pois o
ritmo de vida no sertão era mais
lento devido ao calor, a região
totalmente desértica e pelo fato
de não existir leis, ou seja, a
lei que era imposta pelo Estado Republicano.
Segundo o autor Paredes, Euclides da Cunha
no decorrer da sua obra em relação
ao homem do sertão, se contradiz.
Percebe que em seu livro está uma
nítida crítica em relação
à população brasileira
do litoral, a qual está deslocada
da essência de um país que
se esconde no interior do sertão.
O isolamento fez com que da mestiçagem
surgisse um tipo puro, adequado à
região na qual vivia. Esse homem
se tornou forte, bravo, e lutava pelos
seus ideais, movido pelas adversidades
da terra onde habitava, pois este era
o seu lar e, por isso, era defendida bravamente.
O isolamento e o abandono do sertanejo
tiveram funções benéficas,
pois, fez com que este homem não
se tornasse um degenerado pelo contato
com os estrangeiros no litoral. Isto fez
com que houvesse a existência de
duas formas distintas, senão pelos
elementos, mas pelas condições
do meio. As condições do
meio e a bagagem cultural que este sertanejo
trouxe consigo para o interior do sertão
fez dele um ser único e diferente
ao mesmo tempo, por não se enquadrar
dentro dos padrões nos quais esta
nova sociedade, que estava sendo construída
no litoral, determinava como sendo o certo.
Segundo Manoel Bonifácio, a vida
desse homem sertanejo era pacata, cada
um tinha a sua função específica,
não havia pressa, e sempre iam
a igreja rezar. Suas desavenças
pessoais eram discutidas com Antonio Conselheiro
que lhes orientava, para o bem comum de
todos. Tudo era feito, construído
em prol das necessidades de todos, e tudo
era feito com muita dificuldade, mas a
fé deste povo fazia com que as
suas vidas se tornassem um pouco mais
amena. Um homem podia ter mais de uma
mulher, mesmo porque existiam muito mais
mulheres do que homens adultos em época
de casar. Fica claro na exposição
do autor Benício, que este homem
sertanejo não era um bandido por
natureza, ou por ser um mestiço
deveria ser um tipo incapaz de qualquer
ato de bondade apenas o de selvageria.
Este sertanejo era um homem comum que
possuía família, e cuidava
desta providenciando o seu sustento; gostava
de contar histórias em reuniões
com os amigos, contando suas alegrias
e tristezas; era um religioso devoto.
O sertanejo não matava por gostar
e sim num intuito de defesa, lutavam pela
terra e para proteger seus familiares
e, se cometiam alguns atos de roubo era
por motivo de sobrevivência.
Conclusão
Enfim, no interior de tais questionamentos
as conclusões, que poderíamos
chegar à cerca da visão
de Euclides da cunha sobre o sertanejo
nordestino, são amplas e pertencentes
ao contexto político-econômico
da época. A inserção
das teorias racial-cientificista no Brasil
do início do século XIX
está intimamente ligada à
República nascente, que as recupera
e as introduz num modelo liberal de concepção
estatal. Torna-se, assim, um paradoxo
que dá origem a dois modelos explicativos
sobre a construção da sociedade
brasileira, no entanto contraditórios:
o primeiro fundamenta-se no indivíduo
e em sua responsabilidade pessoal; o segundo
retira a atenção colocada
no sujeito e centra-a na atuação
de grupo entendido como resultado de uma
estrutura biológica. Isto é,
uma legitima o regime político
republicano e a outra a superioridade
de certo grupo social, no caso, os brancos
aristocratas. As teorias raciais se apresentavam
enquanto modelo teórico viável
na justificação do complicado
jogo de interesses que se montava.
Assim, nos interessa saber como o argumento
racial foi inserido e como ele foi adaptado
ao Brasil, que é um país
miscigenado. A conceitualização
de raça encontra no país
problemas de atuação devido
a essas características. Teóricos
cientificistas passam nesse momento pela
emergência de criar uma visão
científica, que pudessem encaixar
no Brasil. No interior dos estabelecimentos,
os cientistas e políticos, pesquisadores,
literatos e acadêmicos tomaram para
si a tarefa de abrigar uma ciência
positiva e determinista para encontrar
saídas à nação
brasileira. Dentro desta perspectiva é
que encontramos o pensamento de Euclides
da Cunha.
A dificuldade de achar uma linha de pensamento
euclidiano está em algumas distinções
nas abordagens bibliográficas sobre
sua obra e os seus fundamentos. Essas
abordagens em sua maioria convergem ao
dizer, que Euclides se contradiz ao longo
do seu livro, principalmente, quando trata
do sertanejo no capítulo: O Homem.
E, isto possibilitou-nos a chegar a conclusões
parecidas, embora, tivéssemos passado
por dificuldades ao estipular o porquê
da contradição. Isto é,
elencar os motivos de Euclides não
foi tarefa fácil.
Entretanto, ao encararmos a visão
euclidiana dentro do contexto político-social
da época, conseguimos achar um
fundamento teórico para sua obra.
Consideramo-lo um autor contraditório,
pois é pertencente ao meio científico
positivista e determinista social. Ao
mesmo tempo em que se utiliza dessas teorias,
Euclides da Cunha, conviveu e percebeu
na realidade social de Canudos algo que
não achava em suas teorias. Ele
escreve Os Sertões, com o intuito
de mostrar a sociedade brasileira à
vida de uma sub-raça, pretensamente
esquecida. Contudo, ao vislumbrar o seu
cotidiano modifica o seu ponto de vista
considerando o sertanejo um tipo social
brasileiro e, que deveria ter mais atenção
do governo republicano. Pois os considerava
uma sub-raça superior do que as
litorâneas.
Ele consegue perceber, que as dificuldades
do sertanejo nordestino são provinda
da forma como eles são tratados
pelo Estado. Porém, vê, também,
na miscigenação a culpa
de seu modo de vida, demonstrando à
sociedade brasileira a emergência
de criar-se um espaço para tais.
Faltou a Euclides da Cunha visão
sociológica suficiente para enquadrar
as lutas dos escravos como base de um
processo econômico de desenvolvimento
da nossa sociedade.
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