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REVISTA DOS ALUNOS DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
DA FACULDADE PORTO-ALEGRENSE - FAPA

PORTO ALEGRE - RIO GRANDE DO SUL - BRASIL

 
Revista Historiador - Ano 01 - Número 01 - Dezembro 2008
 

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS BRASIL E ARGENTINA DURANTE O GOVERNO MILITAR E O ACORDO ITAIPU-CORPUS

Cristiano Neves
Cléris Anísia Wolf
Juliana Passos Silveira
Vanessa Passos Silveira

Resumo:
Este artigo analisa as relações Brasil e Argentina durante o período do regime militar. Seu foco centra-se na questão da disputa pelo predomínio hegemônico na bacia do Prata, que culmina no Acordo Tripartite Itaipu-Corpus no governo de João Baptista Figueiredo. A análise se centra na abordagem de diferentes pontos de vista de diferentes autores sobre a política externa dos dois países no período, e como estes autores abordam as relações diplomáticas entre Brasil e Argentina durante o longo período de negociações sobre a questão da disputa dos recursos hídricos da bacia do Prata, que culmina no Acordo Tripartite Itaipu-Corpus.
Palavras-chave: Relações diplomáticas Brasil-Argentina. Regime Militar. Itaipu-Corpus.

1 Introdução

Segundo Fajardo (2004), o acordo entre Brasil, Argentina e Paraguai sobre a exploração pacifica dos recursos hídricos compartilhados pelo rio Paraná – o acordo tripartite Itaipu-Corpus – de outubro de 1979 foi um antecedente importante na aproximação do Brasil com a Argentina, pois representa o fim da polêmica em torno da construção de uma usina hidrelétrica binacional de Itaipu, que foi responsável por mais de uma década de disputas entre Brasil e Argentina. Para o autor, o tratado representa a emergência de um novo patamar de entendimento e cooperação entre os dois países e o fato de ambos estarem em regimes militares não impediu o desenvolvimento de boas relações no contexto regional.

Para o autor, a questão representa uma disputa geopolítica entre os países pela influência na bacia do Prata e na América do Sul. O conflito e as decisões ficaram a cargo dos Estados Nacionais e seus poderes executivos, sendo que as interferências de outras esferas como no legislativo/judiciário ou na esfera civil tiveram impacto mínimo. Isso é atribuído ao fato de que durante as negociações os países estavam sendo governados por regimes militares cujas características eram a repressão e a censura. Itaipu é um conflito geopolítico de interesses e nessa disputa o poder nacional tem peso importante. A política internacional é uma relação de poder entre Estados, onde cada um utiliza-se dos meios disponíveis para a defesa de seus interesses, não necessitando que esses mesmos sejam bélicos. Segundo Fajardo (2004), o nível de forças é o regulador do sistema internacional, portanto, a busca pelo incremento do poder é o objetivo primário da política internacional entre países. Deste modo, “a essência da política internacional é uma correlação entre poderes, onde os Estados dotados de um maior Poder Nacional no seio da comunidade internacional procuram influenciar outros a agirem de acordo com seus interesses" (FAJARDO, 2004, p. 30).

Segundo Fajardo (2004), para os autores adeptos da perspectiva realista das relações internacionais, existem duas opções para uma disputa entre Estados, a negociação ou a guerra. Entretanto, quando os conflitos ocorrem entre antagonistas que apresentam grande diferença entre os respectivos poderes nacionais, a sua superação freqüentemente conduz a uma situação impar, no qual os períodos de afastamento e de coexistência se alternam e onde Estados "menos poderosos" adotam política pendular em relação a seus vizinhos "mais fortes" como forma de facilitar a obtenção de benefícios (FAJARDO, 2004, p. 37).

"Na América do Sul, as relações frente ao Brasil e à Argentina de países como a Bolívia, o Uruguai e o Paraguai, durante muitos anos seguiu tal padrão". (SCHAPOSNIK, 1997, apud FAJARDO, 2004, p. 37). Segundo Fajardo (2004), existem visões de diferentes autores sobre o relacionamento Brasil e Argentina ao longo de nossa história, citando General Carlos Enrique Laidlaw, como o autor que tem a visão mais realista e coerente com os fatos históricos, esse autor conclui que a confrontação entre Brasil e Argentina geralmente sai vantajosa em sua conclusão para o Brasil e que os picos de entendimento entre os dois países ocorreram durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), Jânio Quadros (1961), Castelo Branco (1964-1967) e Figueiredo (1979-1985). Durante os governos de Getúlio Vargas (1951-1954), Médici (1969-1974) e Geisel (1974-1979) foram períodos onde a discórdia prevaleceu. Durante esse processo cria-se o que o autor chama de "inconsciente coletivo" que molda a imagem de uma nação para a outra, por exemplo, para os brasileiros, a Argentina sonha em recriar o Vice Reinado do Prata e na visão Argentina o Brasil sendo herdeiro da vocação expansionista lusitana tem propósitos imperialistas-hegemonistas para a região da América do Sul. Essa sensação de ameaça atrelada à disposição para o exercício do predomínio regional leva às estratégias de poder, equilíbrio e influência que formulam a política externa no âmbito regional destes países.

2 A Questão de Itaipu

Segundo Fajardo (2004), durante o Governo Médici a questão de Itaipu, se centraliza na relação bilateral que o Brasil toma para com os Estados vizinhos.

[...] visto como um país com aspirações à hegemonia regional, o Brasil busca a integração pelo intercâmbio comercial e mediante investimentos e cooperação técnica, como forma de evitar tentativas de isolamento pela possível formação de blocos hispânicos (FAJARDO, 2004, p.46).

Desta política resulta a assinatura, em 1973, do Tratado Itaipu entre Brasil e Paraguai, este feito acirra a controvérsia com a Argentina que terá seu desenrolar durante o Governo Geisel. Segundo Moniz Bandeira (1987), com a participação do Paraguai no empreendimento, o Brasil teve que enfrentar vários problemas com a Argentina, que alegava a necessidade de consulta prévia aos países ribeirinhos para a realização de obras em rios internacionais, como também possíveis prejuízos à navegação e futura construção das hidrelétricas de Corpus e Yaciretá-Apipe, ao ser modificado o curso normal das águas da Bacia do Prata.

3 A Política Externa Brasileira

3.1 O Governo Geisel (1974-1979)

Segundo Vizentini (1998), dentre os governos militares, o do General Geisel foi que desenvolveu a política externa mais ousada. O principal projeto era o encaminhamento de um processo de abertura política, visto que para Geisel, o regime centralizador estava chegando ao seu limite, acreditava ser prudente antecipar-se aos fatos, preparando uma transição controlada rumo a um regime democrático, a ser estruturado antes que o descontentamento social aflorasse.

Com a posse de Geisel, inicia-se um lento processo de abertura interna, já no âmbito da política externa, o processo de mudança era mais ousado e continuado, iniciou-se um projeto de inserção autônoma na área internacional, a diplomacia se livrava das amarras da guerra fria aproximando-se dos princípios da PEI – Política Externa Independente – de Jânio Quadros e João Goulart. "[...] o Brasil ultrapassa a fase de alinhamento com os Estados Unidos e volta a se integrar à luta conduzida pelos países do terceiro mundo". (FAJARDO, 2004, p.47).

Segundo Vizentini (1998), a motivação conjuntural para este projeto encontrava-se nas profundas dificuldades econômicas em que o país estava mergulhado com a crise do petróleo. O fim do governo Médici anulava um dos principais legitimadores do regime, o sucesso econômico, sendo necessário proceder à abertura política para evitar uma radicalização e uma explosão. A reação econômica do governo Geisel frente à crise implicava numa alteração significativa nas relações exteriores, pois o capitalismo brasileiro atingira um nível de desenvolvimento que propiciava um alto grau de inserção mundial. O primeiro passo da diplomacia, denominada Pragmatismo Responsável e Ecumênico do chanceler Antonio Azeredo da Silveira, foi aproximar-se dos países árabes. Aproximou-se também da China, da Europa Ocidental, e do Japão.

Com relação à América Latina, o Brasil estreitou relações com a Argentina com quem negociou a construção de barragens hidrelétricas na Bacia do Prata, obtendo um acordo durante o governo seguinte.

O bilateralismo de Médici é reforçado e amplia significativamente suas parcerias, mas na questão da América do Sul a política não se difere muito a de Médici, "[...] permanecem as preocupações com o esvaziamento das acusações de hegemonia e são preferidas as práticas bilaterais de caráter comercial e assistencial". (FAJARDO, 2004, p.48).

3.2 O Governo Figueiredo (1979 – 1985)

Figueiredo continua o processo de abertura política e redemocratização do governo anterior, sua política externa visa à aproximação de países que propiciem o desenvolvimento econômico do Brasil. Segundo Fajardo (2004), esta diretriz faz parte de sua recém inaugurada diplomacia do Universalismo que representa uma ampliação do Pragmatismo Responsável e Ecumênico de Geisel. De acordo com esta visão, Vizentini (1997) afirma que essa política esforçou-se para manter a autonomia do Brasil num cenário crescentemente desfavorável, de um modo geral, a principal marca da política externa do Universalismo foi à busca de um maior espaço de participação no que se refere às relações internacionais do Brasil frente aos outros países industrializados.


A visão secundária que os Estados Unidos atribuía à América Latina neste período evidenciava o colapso do sistema continental de defesa, baseado no TIAR de 1947, nessa conjuntura o Brasil descartou a possibilidade de novo realinhamento com os norte-americanos, tomando posição contrária a suas intervenções. A política externa estava voltada ao relacionamento com países que pudessem oferecer vantagens comerciais, financeiras, independente de sua política externa, para escapar da dependência em relação aos Estados Unidos. O Brasil ampliou sua diplomacia para outros pólos capitalistas como Europa Ocidental e Japão, buscando estreitar vínculos com o Terceiro Mundo e com o mundo socialista.

Em relação à América do Sul a política externa oferecia novos contornos e ganhava importância. A diplomacia do Universalismo priorizava o fortalecimento de laços com a América latina e, em especial, com a Argentina, relacionamento que se encontrava desestabilizado desde as negociações do Brasil com o Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipu, finalmente em 1979 é assinado o acordo tripartite Itaipu-corpus que marcava o fim do conflito.

Segundo Vizentini (1998), o Pragmatismo Responsável e a política do Universalismo retomaram as linhas gerais da Política Externa Independente, avançando muito mais em termos práticos. Trata-se do apogeu da mundialização da política externa brasileira. Nesta fase, prevaleceu a concepção nacional-autoritária de viés autonomista e desenvolvimentista. A política externa neste período apresentava-se como um instrumento de apoio ao desenvolvimento econômico industrial e da construção do status de potência média.

4 Relações Argentina e Brasil no Período Militar

A Argentina mostrava-se carente em recursos minerais e sua energia em maior parte provinha de termelétricas. Em 1969 é assinado o Tratado da Bacia do Prata, com vistas ao aproveitamento comum destes recursos pelos paises que o compartilham. Segundo Moniz Bandeira (1987, p.47), "a idéia subjacente, ao que tudo indica, seria a de que a Argentina, aspirando a converter Montevidéu em seu porto natural comandaria, como nação industrial, o processo de integração da Bacia do Prata".

No período das negociações, ambos os países estavam submetidos a governos militares, mas segundo Fajardo (2004), é um equivoco acreditar que este fato os aproximou. Há diferenças sensíveis que separam os dois países, enquanto o Brasil tem presidentes que se sucedem sem maiores crises, na Argentina há um número muito maior de presidentes se sucedem entre militares e civis e um ex-militar eleito, Juan Domingo Perón. Há também insurreições internas como a Revolução Argentina (1966-1976) e dois governos militares distintos intercalados pelo governo de três anos peronistas, além de substituições e crises internas entre os regimes. Nesse sentido, o Brasil tem projetos geopolíticos mais definidos, seja de expansão ou integração, enquanto que a Argentina não apresentava uma concepção geopolítica, vivendo sempre em função da brasileira, desta forma, preocupava-se mais na criação de um discurso antibrasileiro. O autor também concorda com outros autores como Félix Peña, que acredita que as dificuldades no relacionamento bilateral decorreram da carência de regras, modificações conflituosas nos quadros nacionais e excesso de instabilidade interna que deixou a Argentina carente de "interlocutores válidos" para tratar das situações conflito. Os problemas internos da Argentina resultaram numa não definição de sua política externa e apenas com a estabilidade alcançada no governo de Videla (1976-1980) é que se modificam as relações recíprocas.

Um exemplo disto é o governo de Izabelita Perón, viúva de Perón, que assume após sua morte e é deposta pelo movimento militar em 1976. Seu governo foi marcado por crises internas. A falta de poder decisório do governo era visível e havia uma indefinição de interlocutores pra negociar com o Brasil a controvérsia de Itaipu-Corpus, nesta conjuntura, as relações ficam paralisadas.

Após a deposição de Izabelita, as forças armadas retornam a cena política com o tenente general Jorge Rafael Videla, que governa até 1981, esse governo inicia um processo de reorganização nacional, a política externa segue duas linhas, a militar e a econômico liberal o modelo de inserção argentino no cenário internacional passa a ser de dependência consentida e em relação à América do Sul, decide-se finalmente superar a controvérsia Itaipu-Corpus. Um conflito com o Brasil não era desejável, pois segundo o autor, o regime tinha necessidade de combater a insurgência interna, a opção feita era por um acordo com o Brasil, e a partir disto as negociações seriam priorizadas, resultando no Acordo tripartite Itaipu-Corpus de 1979.

O autor, citando Helio Jaguaribe (1981) afirma que Brasil e Argentina possuem uma diplomacia pendular, ou seja, alternam entre momentos de conflito e cooperação sendo que na controvérsia de Itaipu predomina o conflito. A posição do Instituto Argentino de Estúdios Estratégicos y de las Relaciones Internacionales (INSAR) opõe-se as incitativas brasileiras.

Estes consideram a atitude do Brasil imperial e hegemônica sendo, em conseqüência, anti-histórica e anacrônica. Apesar disto, com uma ótica realista das relações internacionais, reconhecem que esta seria a postura Argentina em caso de substituírem a brasileira (GUGLIALMELLI, 1975, apud FAJARDO, 2004, p. 62).

Restava a Argentina, ou aceitar a situação negociando com o Brasil o papel de um sócio menor, ou enfrentar o Brasil – o que levaria uma possível confrontação armada. Negociar em benefício comum de ambos os países era praticamente impossível, pois para isso os países teriam que abrir mão de qualquer propósito imperial-hegemonista.

5 A Questão Energética

Para Fajardo (2004), o processo de industrialização brasileiro, a capacidade de geração de energia elétrica era fundamental, pois possuía carência em outras fontes. Desta forma, os argentinos acreditavam que as hidrelétricas já conseguidas pelo Brasil – Urubupungá, por exemplo – eram suficientes para atender as demandas de industrialização do país. As intenções Brasileiras eram consideradas expansionistas e a questão de Itaipu seria uma plataforma de lançamento da hegemonia do Brasil na bacia do Prata. Posição semelhante tem o autor Moniz Bandeira:

Obstáculos da Argentina à construção de Itaipu constituíam reações defensivas vis a vis à expansão econômica do Brasil, que já erguera, sobre o rio Paraná, as hidrelétricas de Urubupungá, Jupiá, Ilha Solteira e Acari, enquanto ela sempre procrastinara, em virtude de várias razões internas e externas, a execução dos projetos de Corpus e Yacicretá-Apipé, havia muitas décadas elaborados (MONIZ BANDEIRA, 1987, p.49).

Moniz Bandeira aponta que a oposição ao Tratado de Itaipu recrudesceu inclusive dentro do próprio Paraguai, pois o país não poderia consumir a energia gerada pela hidrelétrica, que a produzia a uma freqüência de 60 hertz, de acordo com o sistema brasileiro, sendo o Paraguai portador do sistema de 50 hertz, europeu, o mesmo utilizado pela Argentina. Além disto, o Paraguai deveria pagar por um empréstimo de US$ 50 milhões ao Brasil, como juros, cerca de US$ 200 milhões ao fim de 50 anos. Tais denúncias alcançaram ampla repercussão na Argentina. Ambos os países uniram-se contra a “vocação imperialista” do Brasil. Moniz destaca que de acordo com a observação do jurista Christian G. Caubet, o centro da controvérsia residia no fato de que a Argentina e o Brasil tratavam de resguardar da melhor forma possível seus interesses, sem compreender as necessidades do outro, na utilização da Bacia do Prata. O autor defende que os obstáculos impostos pela Argentina à construção de Itaipu constituíam reações defensivas à expansão industrial/econômica do Brasil, que já erguera várias hidrelétricas sobre o Rio Paraná, enquanto a Argentina, por motivos internos e externos, sempre postergara a execução de tais empreendimentos. A Argentina, embora mais avançada na geração de energia nuclear, não tinha forças para contrapor-se ao impulso do Brasil no campo de produção energética.

Para Fajardo (2004), Itaipu, para a Argentina, era um problema geopolítico e de segurança nacional, pois as hidrelétricas construídas no Rio Paraná permitiam o controle brasileiro dos cursos dos rios que atravessam a região mais rica da Argentina. Isto se tornou aos olhos argentinos uma ameaça, sendo a questão encarada como uma relação de poder entre os dois países, que na época era favorável ao Brasil. Segundo Gugliamelli (1975 apud FAJARD, 2004, p.65), a balança de poderes era favorável ao Brasil devido a vários aspectos, entre eles, o poder brasileiro apoiado em seu acelerado desenvolvimento industrial; a ausência da Argentina na bacia do Prata nos últimos anos devido às sucessivas crises internas; sua incapacidade de desenvolver um poder nacional com capacidade criadora; por sua política externa equivocada que não dava a atenção merecida à bacia do Prata e; que possuía objetivos em geral pouco claros em sua atuação se comparada a do Brasil. Em resumo, a Argentina não sabia o que queria e na época do conflito sobre a construção de Itaipu o poder nacional do Brasil era muito maior que o da Argentina, além de tudo, para os norte-americanos o Brasil era considerado o país chave do continente, com quem poderiam negociar para a estabilidade regional.

Abordagem diferente tem o autor Osny Duarte Pereira, que em seu livro “Itaipu: prós e contras”, para ele, o Brasil no período anterior a construção de Itaipu vincula seu futuro ao modo como é encarado o problema de abastecimento de energia, concluindo que “sempre que houve racionamento de eletricidade, ocorreram modificações importantes no Governo Federal e nos rumos tomados pelo país como um todo”.

A falta de planejamento na produção da energia ocasionava os “apagões” que provocavam perturbações no transporte, no funcionamento das indústrias, etc. provocando irritação e rebeldia propícias a conduzir efeitos sociais importantes. O descontrolado crescimento demográfico associado ao êxodo rural provocado pelo atraso estrutural no campo e o desenvolvimento industrial exigiam um crescimento rápido da produção de energia. Sem esta renovação, segundo técnicos da época, “avizinha-se para 1980, um novo descompasso, se não forem iniciadas novas usinas hidrelétricas” (PEREIRA, 1974).

O autor menciona “poderosas forças ocultas” que lutam contra as usinas hidrelétricas, influenciando a política energética nacional, com motivos torpes, como vender armamentos encalhados pelo cerceamento da guerra do Vietnã, ou para adquirir minérios e outras matérias primas com baixo preço. Para estes, a industrialização e o desenvolvimento faziam crescer a classe operária, elevando os salários, despertando necessidades, encarecendo e dificultando a exploração colonial dos recursos naturais. Para resolver o problema de abastecimento, o governo brasileiro escolheu a construção da barragem de Itaipu.

Ainda segundo Pereira (1974), no caso Itaipu, a Argentina era a maior parceira de aproveitamento, mas desentendimentos anteriores complicaram estas negociações. Para o autor, estes conflitos decorreram sempre das influências externas, desde as disputas de Portugal e Espanha, até as concorrências comerciais dos EUA e da Inglaterra.

Os povos, em si mesmos, nunca tiveram razões para discordâncias, pois nunca um dependeu do outro para sua sobrevivência, nem nunca um retirou nada do outro, de modo a justificar represálias ou ressentimentos (PEREIRA, 1974).

Fajardo (2004) possui abordagem diferente do problema, mais analítico, conclui que Brasil e Argentina até a década de sessenta mantiveram posições coincidentes sobre o aproveitamento dos rios internacionais e um equilíbrio de poderes na região platina. A harmonia se rompeu pelo planejamento da criação da hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná. Buenos Aires temia que o represamento das águas e a operação da barragem causassem problemas para a navegação e comprometiam os projetos argentinos de construção das hidrelétricas de Yacycretá-Aipipé e Corpus, defendiam que os recursos de divisas deveriam ser compartilhados entre os países, enquanto que o Brasil procurava afirmar sua decisão argumentando que seria prejudicial à soberania do país submeter suas decisões a consulta prévia e conseqüente poder de veto de outro país.

Em 1973 a Assembléia Geral da ONU aprova a Resolução número 3129, "Cooperação no campo do meio ambiente relativa aos recursos naturais compartilhados por dois ou mais Estados", que previa a cooperação entre países que compartilham recursos naturais, estes deviam se dar pelo mecanismo de consulta prévia. O que representava uma vitória Argentina, que se tornava sem efeito, pois esta resolução tinha caráter meramente recomendatório, não obrigatório e, portanto, não impedindo o inicio das obras de Itaipu em 1975. Desta forma, o conflito não se resolveu, pois nenhum dos dois países abriu mão de seus interesses nacionais, restando à Argentina optar pela negociação ou pela guerra.

A opção de guerra não foi descartada inicialmente pela Argentina, desta forma a estratégia Brasileira tomou contornos dualistas.

[...] de um lado, procura gerir o conflito dentro dos limites da tolerabilidade para ambas as partes, evitando a aproximação do ponto de ruptura; por outro, mantém a firme determinação de não rever o projeto de Itaipu segundo os interesses argentinos (GONÇALVES; MIYAMOTO, 1993, Apud FAJARDO, 2004, p. 79).

Em 1976, Itaipu era uma realidade, enquanto Corpus (empreendimento bilateral argentino-paraguaio) era apenas um projeto. A Argentina tinha em mente o projeto de Corpus em interdependência técnica com Itaipu e, em 1977, sugeriu negociações tripartites com os países envolvidos, proposta não aceita pelo Brasil por considerar um retrocesso para o principio de consulta prévia, alegando também que a questão Corpus deveria ser resolvida apenas entre Argentina a Paraguai. Neste contexto, a Argentina propôs a "diplomacia militar", que tinha por intuito impedir o combate pelo diálogo entre os militares. Nessa estratégia, as tensões eram superadas e iniciavam-se as reuniões tripartites, que até o final do governo Geisel, não resultaram em um acordo final, que foi, finalmente firmado com o governo Figueiredo.

Para o governo Figueiredo a resolução deste conflito era ação prioritária. A inclinação brasileira em pôr um fim ao conflito, o empenho do presidente Argentino Videla na aproximação com o empresariado brasileiro como forma de superar a estagnação econômica e o reconhecimento Argentino de que havia uma grande diferença entre poderes entre os dois países facilitam o Acordo Tripartite Itaipu-Corpus, colocando fim à disputa iniciada em 1966.

Nele, de forma implícita, são resolvidas as diferenças de interpretação quanto aos princípios gerais da consulta prévia e do prejuízo sensível, ao se estabelecer o intercâmbio de informações técnicas; o critério de enchimento dos reservatórios; a garantia de navegabilidade a jusante; e a necessidade de negociações tripartites prévias para a introdução de eventuais modificações em quaisquer dos três pontos fundamentais (FAJARDO, 2004, p.122).

O governo de Buenos Aires decidia investir na possibilidade de cooperação regional em detrimento da manutenção das antigas disputas geopolíticas pela liderança nos contextos regional e contíguo (FAJARDO, 2004, p. 101).

Em relação ao lado brasileiro, o mesmo autor afirma que o Brasil, no contexto da rearticulação da economia mundial, aliado aos efeitos da crise do petróleo sobre o modelo de desenvolvimento do país – fundado no principio do combustível barato –, ressalta ainda mais a importância das hidrelétricas para a sustentação da economia do Sul e Sudeste. Assim sendo, a manutenção do conflito não era interessante, pois poderia exigir a mobilização de recursos que a situação do país não permitia no momento. Nessa conjuntura, a diplomacia do Universalismo de Figueiredo priorizava o fortalecimento dos laços com a Argentina, e primava pela resolução do conflito na bacia do Prata. A resolução do conflito marcava uma era de cooperação entre Argentina e Brasil e a usina de Itaipu entrava em funcionamento em 1984.

6 Conclusão

Os autores analisados, em geral, concordam entre si em suas análises. Apesar de pequenas diferenças de interpretação. O autor analisado que mais destoa entre os outros é Pereira, que analisa a questão através de uma abordagem nacionalista, se posicionando perante a questão sempre em defesa do Brasil. Ao contrário dos outros autores, nega totalmente a rivalidade Brasil e Argentina, colocando que os conflitos entre os países decorreram sempre por influências externas, desde as disputas de Portugal e Espanha, até as concorrências comerciais dos EUA e da Inglaterra, sendo que os povos – argentino e brasileiro – nunca tiveram razões para discordâncias.

Já Fajardo defende que as relações Brasil Argentina sempre foram marcadas por desconfiança mútua. A origem desta desconfiança pode ser dada às disputas entre Portugueses e Espanhóis ocorridas no passado, que moldam um "inconsciente coletivo" manifestado na visão brasileira de que a Argentina sonhava em recriar o Vice Reinado do Prata e a visão Argentina, de que o Brasil sendo herdeiro da vocação expansionista lusitana tinha propósitos imperialistas-hegemonistas para a região da América do Sul. O autor afirma que ambos os países têm realmente intenções de exercer predomínio regional e essa “sensação de ameaça” leva às estratégias de poder, equilíbrio e influência que formulam a política externa ao âmbito regional de ambos os países.

Para o autor, Brasil e Argentina, até a década de 1960, mantinham posições coincidentes sobre o aproveitamento dos rios internacionais e um equilíbrio de poderes na região platina. A harmonia se rompe pelo planejamento da criação da hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná.

Fajardo utiliza Moniz Bandeira em seu trabalho e podemos ver semelhanças na abordagem dos dois autores, apesar de Moniz Bandeira ser mais descritivo. Fajardo, utilizando Moniz juntamente com a contribuição de outros autores, tornando-se mais analítico em relação à questão. Ambos concordam que a questão da construção de Itaipú estava inserida no projeto do regime militar brasileiro de desenvolvimento e inserção internacional. Pela carência energética nacional, o Brasil buscava novas fontes de energia, o que explicava p grande interesse no aproveitamento da potência energética que a bacia do Prata poderia fornecer. Já para a Argentina, Itaipú trazia inúmeras preocupações, pois o país interpretava o empreendimento como um projeto de expansão da hegemonia brasileira na América do Sul.

Fajardo prossegue sua análise afirmando que economicamente a Argentina temia que o represamento das águas e a operação da barragem, causassem problemas para sua navegação, podendo comprometer os projetos argentinos de construção das hidrelétricas de Yacycretá-Aipipé e Corpus, enquanto que geopoliticamente temia a alteração no equilibro regional, que até o inicio do regime militar brasileiro pendia para a hegemonia Argentina.

Para Fajardo e Moniz Bandeira, a contenda representava uma disputa geopolítica entre os países, por influência na Bacia do Prata e na América do Sul. Fajardo afirma que o predomínio brasileiro na disputa ocorre pela não definição da política externa Argentina, já que sua atenção estava mais direcionada aos seus problemas internos, o que resultou numa não definição de sua política externa durante longo período. A resolução da disputa marcou uma nova etapa no relacionamento Brasília e Buenos Aires, que evoluía de um cenário de conflito, onde a ameaça de confronto armado estava sempre presente, para um quadro de competição não antagônica, o que evidencia que e a existência de regimes militares, fundamentados no conceito de segurança e interesse nacional, não são obstáculo para o desenvolvimento de boas relações externas.

Vizentini, mais focado nas relações internacionais entre os dois países, analisa que o governo Geisel acreditando que o regime centralizador estava chegando a seu limite, encaminhava um processo de abertura política. Na política externa inicia um projeto de inserção autônoma na área internacional, se livrando das amarras da guerra fria e aproximando-se dos princípios da Política Externa Independente de Jânio Quadros e João Goulart. A motivação para este projeto estava nas dificuldades econômicas em que o país estava mergulhado com a crise do petróleo, tendo a intenção de estabelecer uma maior aproximação com a América do Sul. A ampliação desta política deu-se no governo Figueiredo e sua Diplomacia do Universalismo, que de um modo geral buscava um maior espaço de participação no que se refere às relações internacionais do Brasil frente aos outros países industrializados. A visão secundária que os Estados Unidos atribuía a América Latina levava o Brasil a descartar a possibilidade de novo realinhamento com os norte-americanos. A política externa ampliou sua diplomacia para outros pólos capitalistas e a América do Sul ganhava prioridade. Nesse sentido, esforços maiores por parte do Brasil são empenhados para a solução da disputa entre a Argentina na questão Itaipu, resolvida em 1979 com o acordo tripartite Itaipu-corpus.

Fajardo concorda com Vizentini e amplia sua análise, ao afirmar que na conjuntura da crise mundial – crise do petróleo em 1973 – a manutenção do conflito não era interessante, pois poderia exigir a mobilização de recursos que a situação do país não permitia naquele momento. Nesta conjuntura a Diplomacia do Universalismo de Figueiredo priorizava o fortalecimento dos laços com a Argentina, primando pela resolução do conflito na bacia do Prata.

Fajardo conclui afirmando que o acordo Tripartite Itaipu-Corpus, assinado no governo Figueiredo, marcou uma etapa onde o sentimento de desconfiança recíproca entre Argentina-Brasil evoluiu para uma fase de entendimento anteriormente inexistente, e inaugurou um novo ciclo no relacionamento mútuo, onde o conflito permanente é substituído pela busca de soluções conjuntas para problemas comuns. O acordo, além de um marco simbólico nas relações bilaterais assinalou o início do processo de integração regional e representou um ponto de inflexão entre a disputa geopolítica e a política de cooperação na Bacia do Prata.

Referências:

FAJARDO, José Marcos Castellani. Acordo Tripartite Itaipu-Corpus: Ponto de inflexão entre a disputa geopolitica e a política de cooperação. Porto Alegre: UFRGS, 2004. 170 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós- Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O eixo Argentina-Brasil: o processo de integração da América Latina. Brasilia: Ed. UnB, 1987

PEREIRA, Osny Duarte. Itaipu: prós e contras. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1974.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. A política externa do regime militar brasileiro. 1. ed. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1998.


 

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Sumário da Edição
Número 01

Tema da edição:
História do Brasil Contemporâneo