RELAÇÕES
INTERNACIONAIS BRASIL E ARGENTINA DURANTE
O GOVERNO MILITAR E O ACORDO ITAIPU-CORPUS
Cristiano
Neves
Cléris Anísia Wolf
Juliana Passos Silveira
Vanessa Passos Silveira
Resumo:
Este artigo analisa as relações
Brasil e Argentina durante o período
do regime militar. Seu foco centra-se
na questão da disputa pelo predomínio
hegemônico na bacia do Prata, que
culmina no Acordo Tripartite Itaipu-Corpus
no governo de João Baptista Figueiredo.
A análise se centra na abordagem
de diferentes pontos de vista de diferentes
autores sobre a política externa
dos dois países no período,
e como estes autores abordam as relações
diplomáticas entre Brasil e Argentina
durante o longo período de negociações
sobre a questão da disputa dos
recursos hídricos da bacia do Prata,
que culmina no Acordo Tripartite Itaipu-Corpus.
Palavras-chave: Relações
diplomáticas Brasil-Argentina.
Regime Militar. Itaipu-Corpus.
1
Introdução
Segundo Fajardo (2004), o acordo entre
Brasil, Argentina e Paraguai sobre a exploração
pacifica dos recursos hídricos
compartilhados pelo rio Paraná
– o acordo tripartite Itaipu-Corpus
– de outubro de 1979 foi um antecedente
importante na aproximação
do Brasil com a Argentina, pois representa
o fim da polêmica em torno da construção
de uma usina hidrelétrica binacional
de Itaipu, que foi responsável
por mais de uma década de disputas
entre Brasil e Argentina. Para o autor,
o tratado representa a emergência
de um novo patamar de entendimento e cooperação
entre os dois países e o fato de
ambos estarem em regimes militares não
impediu o desenvolvimento de boas relações
no contexto regional.
Para o autor, a questão representa
uma disputa geopolítica entre os
países pela influência na
bacia do Prata e na América do
Sul. O conflito e as decisões ficaram
a cargo dos Estados Nacionais e seus poderes
executivos, sendo que as interferências
de outras esferas como no legislativo/judiciário
ou na esfera civil tiveram impacto mínimo.
Isso é atribuído ao fato
de que durante as negociações
os países estavam sendo governados
por regimes militares cujas características
eram a repressão e a censura. Itaipu
é um conflito geopolítico
de interesses e nessa disputa o poder
nacional tem peso importante. A política
internacional é uma relação
de poder entre Estados, onde cada um utiliza-se
dos meios disponíveis para a defesa
de seus interesses, não necessitando
que esses mesmos sejam bélicos.
Segundo Fajardo (2004), o nível
de forças é o regulador
do sistema internacional, portanto, a
busca pelo incremento do poder é
o objetivo primário da política
internacional entre países. Deste
modo, “a essência da política
internacional é uma correlação
entre poderes, onde os Estados dotados
de um maior Poder Nacional no seio da
comunidade internacional procuram influenciar
outros a agirem de acordo com seus interesses"
(FAJARDO, 2004, p. 30).
Segundo Fajardo (2004), para os autores
adeptos da perspectiva realista das relações
internacionais, existem duas opções
para uma disputa entre Estados, a negociação
ou a guerra. Entretanto, quando os conflitos
ocorrem entre antagonistas que apresentam
grande diferença entre os respectivos
poderes nacionais, a sua superação
freqüentemente conduz a uma situação
impar, no qual os períodos de afastamento
e de coexistência se alternam e
onde Estados "menos poderosos"
adotam política pendular em relação
a seus vizinhos "mais fortes"
como forma de facilitar a obtenção
de benefícios (FAJARDO, 2004, p.
37).
"Na América do Sul, as relações
frente ao Brasil e à Argentina
de países como a Bolívia,
o Uruguai e o Paraguai, durante muitos
anos seguiu tal padrão". (SCHAPOSNIK,
1997, apud FAJARDO, 2004, p. 37). Segundo
Fajardo (2004), existem visões
de diferentes autores sobre o relacionamento
Brasil e Argentina ao longo de nossa história,
citando General Carlos Enrique Laidlaw,
como o autor que tem a visão mais
realista e coerente com os fatos históricos,
esse autor conclui que a confrontação
entre Brasil e Argentina geralmente sai
vantajosa em sua conclusão para
o Brasil e que os picos de entendimento
entre os dois países ocorreram
durante o governo de Juscelino Kubitschek
(1956-1961), Jânio Quadros (1961),
Castelo Branco (1964-1967) e Figueiredo
(1979-1985). Durante os governos de Getúlio
Vargas (1951-1954), Médici (1969-1974)
e Geisel (1974-1979) foram períodos
onde a discórdia prevaleceu. Durante
esse processo cria-se o que o autor chama
de "inconsciente coletivo" que
molda a imagem de uma nação
para a outra, por exemplo, para os brasileiros,
a Argentina sonha em recriar o Vice Reinado
do Prata e na visão Argentina o
Brasil sendo herdeiro da vocação
expansionista lusitana tem propósitos
imperialistas-hegemonistas para a região
da América do Sul. Essa sensação
de ameaça atrelada à disposição
para o exercício do predomínio
regional leva às estratégias
de poder, equilíbrio e influência
que formulam a política externa
no âmbito regional destes países.
2
A Questão de Itaipu
Segundo Fajardo (2004), durante o Governo
Médici a questão de Itaipu,
se centraliza na relação
bilateral que o Brasil toma para com os
Estados vizinhos.
[...] visto como um país com aspirações
à hegemonia regional, o Brasil
busca a integração pelo
intercâmbio comercial e mediante
investimentos e cooperação
técnica, como forma de evitar tentativas
de isolamento pela possível formação
de blocos hispânicos (FAJARDO, 2004,
p.46).
Desta
política resulta a assinatura,
em 1973, do Tratado Itaipu entre Brasil
e Paraguai, este feito acirra a controvérsia
com a Argentina que terá seu desenrolar
durante o Governo Geisel. Segundo Moniz
Bandeira (1987), com a participação
do Paraguai no empreendimento, o Brasil
teve que enfrentar vários problemas
com a Argentina, que alegava a necessidade
de consulta prévia aos países
ribeirinhos para a realização
de obras em rios internacionais, como
também possíveis prejuízos
à navegação e futura
construção das hidrelétricas
de Corpus e Yaciretá-Apipe, ao
ser modificado o curso normal das águas
da Bacia do Prata.
3 A Política Externa Brasileira
3.1 O Governo Geisel (1974-1979)
Segundo Vizentini (1998), dentre os governos
militares, o do General Geisel foi que
desenvolveu a política externa
mais ousada. O principal projeto era o
encaminhamento de um processo de abertura
política, visto que para Geisel,
o regime centralizador estava chegando
ao seu limite, acreditava ser prudente
antecipar-se aos fatos, preparando uma
transição controlada rumo
a um regime democrático, a ser
estruturado antes que o descontentamento
social aflorasse.
Com a posse de Geisel, inicia-se um lento
processo de abertura interna, já
no âmbito da política externa,
o processo de mudança era mais
ousado e continuado, iniciou-se um projeto
de inserção autônoma
na área internacional, a diplomacia
se livrava das amarras da guerra fria
aproximando-se dos princípios da
PEI – Política Externa Independente
– de Jânio Quadros e João
Goulart. "[...] o Brasil ultrapassa
a fase de alinhamento com os Estados Unidos
e volta a se integrar à luta conduzida
pelos países do terceiro mundo".
(FAJARDO, 2004, p.47).
Segundo Vizentini (1998), a motivação
conjuntural para este projeto encontrava-se
nas profundas dificuldades econômicas
em que o país estava mergulhado
com a crise do petróleo. O fim
do governo Médici anulava um dos
principais legitimadores do regime, o
sucesso econômico, sendo necessário
proceder à abertura política
para evitar uma radicalização
e uma explosão. A reação
econômica do governo Geisel frente
à crise implicava numa alteração
significativa nas relações
exteriores, pois o capitalismo brasileiro
atingira um nível de desenvolvimento
que propiciava um alto grau de inserção
mundial. O primeiro passo da diplomacia,
denominada Pragmatismo Responsável
e Ecumênico do chanceler Antonio
Azeredo da Silveira, foi aproximar-se
dos países árabes. Aproximou-se
também da China, da Europa Ocidental,
e do Japão.
Com relação à América
Latina, o Brasil estreitou relações
com a Argentina com quem negociou a construção
de barragens hidrelétricas na Bacia
do Prata, obtendo um acordo durante o
governo seguinte.
O bilateralismo de Médici é
reforçado e amplia significativamente
suas parcerias, mas na questão
da América do Sul a política
não se difere muito a de Médici,
"[...] permanecem as preocupações
com o esvaziamento das acusações
de hegemonia e são preferidas as
práticas bilaterais de caráter
comercial e assistencial". (FAJARDO,
2004, p.48).
3.2 O Governo Figueiredo (1979
– 1985)
Figueiredo continua o processo de abertura
política e redemocratização
do governo anterior, sua política
externa visa à aproximação
de países que propiciem o desenvolvimento
econômico do Brasil. Segundo Fajardo
(2004), esta diretriz faz parte de sua
recém inaugurada diplomacia do
Universalismo que representa uma ampliação
do Pragmatismo Responsável e Ecumênico
de Geisel. De acordo com esta visão,
Vizentini (1997) afirma que essa política
esforçou-se para manter a autonomia
do Brasil num cenário crescentemente
desfavorável, de um modo geral,
a principal marca da política externa
do Universalismo foi à busca de
um maior espaço de participação
no que se refere às relações
internacionais do Brasil frente aos outros
países industrializados.
A visão secundária que os
Estados Unidos atribuía à
América Latina neste período
evidenciava o colapso do sistema continental
de defesa, baseado no TIAR de 1947, nessa
conjuntura o Brasil descartou a possibilidade
de novo realinhamento com os norte-americanos,
tomando posição contrária
a suas intervenções. A política
externa estava voltada ao relacionamento
com países que pudessem oferecer
vantagens comerciais, financeiras, independente
de sua política externa, para escapar
da dependência em relação
aos Estados Unidos. O Brasil ampliou sua
diplomacia para outros pólos capitalistas
como Europa Ocidental e Japão,
buscando estreitar vínculos com
o Terceiro Mundo e com o mundo socialista.
Em relação à América
do Sul a política externa oferecia
novos contornos e ganhava importância.
A diplomacia do Universalismo priorizava
o fortalecimento de laços com a
América latina e, em especial,
com a Argentina, relacionamento que se
encontrava desestabilizado desde as negociações
do Brasil com o Paraguai para a construção
da hidrelétrica de Itaipu, finalmente
em 1979 é assinado o acordo tripartite
Itaipu-corpus que marcava o fim do conflito.
Segundo Vizentini (1998), o Pragmatismo
Responsável e a política
do Universalismo retomaram as linhas gerais
da Política Externa Independente,
avançando muito mais em termos
práticos. Trata-se do apogeu da
mundialização da política
externa brasileira. Nesta fase, prevaleceu
a concepção nacional-autoritária
de viés autonomista e desenvolvimentista.
A política externa neste período
apresentava-se como um instrumento de
apoio ao desenvolvimento econômico
industrial e da construção
do status de potência média.
4 Relações Argentina
e Brasil no Período Militar
A Argentina mostrava-se carente em recursos
minerais e sua energia em maior parte
provinha de termelétricas. Em 1969
é assinado o Tratado da Bacia do
Prata, com vistas ao aproveitamento comum
destes recursos pelos paises que o compartilham.
Segundo Moniz Bandeira (1987, p.47), "a
idéia subjacente, ao que tudo indica,
seria a de que a Argentina, aspirando
a converter Montevidéu em seu porto
natural comandaria, como nação
industrial, o processo de integração
da Bacia do Prata".
No período das negociações,
ambos os países estavam submetidos
a governos militares, mas segundo Fajardo
(2004), é um equivoco acreditar
que este fato os aproximou. Há
diferenças sensíveis que
separam os dois países, enquanto
o Brasil tem presidentes que se sucedem
sem maiores crises, na Argentina há
um número muito maior de presidentes
se sucedem entre militares e civis e um
ex-militar eleito, Juan Domingo Perón.
Há também insurreições
internas como a Revolução
Argentina (1966-1976) e dois governos
militares distintos intercalados pelo
governo de três anos peronistas,
além de substituições
e crises internas entre os regimes. Nesse
sentido, o Brasil tem projetos geopolíticos
mais definidos, seja de expansão
ou integração, enquanto
que a Argentina não apresentava
uma concepção geopolítica,
vivendo sempre em função
da brasileira, desta forma, preocupava-se
mais na criação de um discurso
antibrasileiro. O autor também
concorda com outros autores como Félix
Peña, que acredita que as dificuldades
no relacionamento bilateral decorreram
da carência de regras, modificações
conflituosas nos quadros nacionais e excesso
de instabilidade interna que deixou a
Argentina carente de "interlocutores
válidos" para tratar das situações
conflito. Os problemas internos da Argentina
resultaram numa não definição
de sua política externa e apenas
com a estabilidade alcançada no
governo de Videla (1976-1980) é
que se modificam as relações
recíprocas.
Um exemplo disto é o governo de
Izabelita Perón, viúva de
Perón, que assume após sua
morte e é deposta pelo movimento
militar em 1976. Seu governo foi marcado
por crises internas. A falta de poder
decisório do governo era visível
e havia uma indefinição
de interlocutores pra negociar com o Brasil
a controvérsia de Itaipu-Corpus,
nesta conjuntura, as relações
ficam paralisadas.
Após a deposição
de Izabelita, as forças armadas
retornam a cena política com o
tenente general Jorge Rafael Videla, que
governa até 1981, esse governo
inicia um processo de reorganização
nacional, a política externa segue
duas linhas, a militar e a econômico
liberal o modelo de inserção
argentino no cenário internacional
passa a ser de dependência consentida
e em relação à América
do Sul, decide-se finalmente superar a
controvérsia Itaipu-Corpus. Um
conflito com o Brasil não era desejável,
pois segundo o autor, o regime tinha necessidade
de combater a insurgência interna,
a opção feita era por um
acordo com o Brasil, e a partir disto
as negociações seriam priorizadas,
resultando no Acordo tripartite Itaipu-Corpus
de 1979.
O autor, citando Helio Jaguaribe (1981)
afirma que Brasil e Argentina possuem
uma diplomacia pendular, ou seja, alternam
entre momentos de conflito e cooperação
sendo que na controvérsia de Itaipu
predomina o conflito. A posição
do Instituto Argentino de Estúdios
Estratégicos y de las Relaciones
Internacionales (INSAR) opõe-se
as incitativas brasileiras.
Estes consideram a atitude do Brasil imperial
e hegemônica sendo, em conseqüência,
anti-histórica e anacrônica.
Apesar disto, com uma ótica realista
das relações internacionais,
reconhecem que esta seria a postura Argentina
em caso de substituírem a brasileira
(GUGLIALMELLI, 1975, apud FAJARDO, 2004,
p. 62).
Restava
a Argentina, ou aceitar a situação
negociando com o Brasil o papel de um
sócio menor, ou enfrentar o Brasil
– o que levaria uma possível
confrontação armada. Negociar
em benefício comum de ambos os
países era praticamente impossível,
pois para isso os países teriam
que abrir mão de qualquer propósito
imperial-hegemonista.
5 A Questão Energética
Para Fajardo (2004), o processo de industrialização
brasileiro, a capacidade de geração
de energia elétrica era fundamental,
pois possuía carência em
outras fontes. Desta forma, os argentinos
acreditavam que as hidrelétricas
já conseguidas pelo Brasil –
Urubupungá, por exemplo –
eram suficientes para atender as demandas
de industrialização do país.
As intenções Brasileiras
eram consideradas expansionistas e a questão
de Itaipu seria uma plataforma de lançamento
da hegemonia do Brasil na bacia do Prata.
Posição semelhante tem o
autor Moniz Bandeira:
Obstáculos da Argentina à
construção de Itaipu constituíam
reações defensivas vis a
vis à expansão econômica
do Brasil, que já erguera, sobre
o rio Paraná, as hidrelétricas
de Urubupungá, Jupiá, Ilha
Solteira e Acari, enquanto ela sempre
procrastinara, em virtude de várias
razões internas e externas, a execução
dos projetos de Corpus e Yacicretá-Apipé,
havia muitas décadas elaborados
(MONIZ BANDEIRA, 1987, p.49).
Moniz
Bandeira aponta que a oposição
ao Tratado de Itaipu recrudesceu inclusive
dentro do próprio Paraguai, pois
o país não poderia consumir
a energia gerada pela hidrelétrica,
que a produzia a uma freqüência
de 60 hertz, de acordo com o sistema brasileiro,
sendo o Paraguai portador do sistema de
50 hertz, europeu, o mesmo utilizado pela
Argentina. Além disto, o Paraguai
deveria pagar por um empréstimo
de US$ 50 milhões ao Brasil, como
juros, cerca de US$ 200 milhões
ao fim de 50 anos. Tais denúncias
alcançaram ampla repercussão
na Argentina. Ambos os países uniram-se
contra a “vocação
imperialista” do Brasil. Moniz destaca
que de acordo com a observação
do jurista Christian G. Caubet, o centro
da controvérsia residia no fato
de que a Argentina e o Brasil tratavam
de resguardar da melhor forma possível
seus interesses, sem compreender as necessidades
do outro, na utilização
da Bacia do Prata. O autor defende que
os obstáculos impostos pela Argentina
à construção de Itaipu
constituíam reações
defensivas à expansão industrial/econômica
do Brasil, que já erguera várias
hidrelétricas sobre o Rio Paraná,
enquanto a Argentina, por motivos internos
e externos, sempre postergara a execução
de tais empreendimentos. A Argentina,
embora mais avançada na geração
de energia nuclear, não tinha forças
para contrapor-se ao impulso do Brasil
no campo de produção energética.
Para Fajardo (2004), Itaipu, para a Argentina,
era um problema geopolítico e de
segurança nacional, pois as hidrelétricas
construídas no Rio Paraná
permitiam o controle brasileiro dos cursos
dos rios que atravessam a região
mais rica da Argentina. Isto se tornou
aos olhos argentinos uma ameaça,
sendo a questão encarada como uma
relação de poder entre os
dois países, que na época
era favorável ao Brasil. Segundo
Gugliamelli (1975 apud FAJARD, 2004, p.65),
a balança de poderes era favorável
ao Brasil devido a vários aspectos,
entre eles, o poder brasileiro apoiado
em seu acelerado desenvolvimento industrial;
a ausência da Argentina na bacia
do Prata nos últimos anos devido
às sucessivas crises internas;
sua incapacidade de desenvolver um poder
nacional com capacidade criadora; por
sua política externa equivocada
que não dava a atenção
merecida à bacia do Prata e; que
possuía objetivos em geral pouco
claros em sua atuação se
comparada a do Brasil. Em resumo, a Argentina
não sabia o que queria e na época
do conflito sobre a construção
de Itaipu o poder nacional do Brasil era
muito maior que o da Argentina, além
de tudo, para os norte-americanos o Brasil
era considerado o país chave do
continente, com quem poderiam negociar
para a estabilidade regional.
Abordagem diferente tem o autor Osny Duarte
Pereira, que em seu livro “Itaipu:
prós e contras”, para ele,
o Brasil no período anterior a
construção de Itaipu vincula
seu futuro ao modo como é encarado
o problema de abastecimento de energia,
concluindo que “sempre que houve
racionamento de eletricidade, ocorreram
modificações importantes
no Governo Federal e nos rumos tomados
pelo país como um todo”.
A falta de planejamento na produção
da energia ocasionava os “apagões”
que provocavam perturbações
no transporte, no funcionamento das indústrias,
etc. provocando irritação
e rebeldia propícias a conduzir
efeitos sociais importantes. O descontrolado
crescimento demográfico associado
ao êxodo rural provocado pelo atraso
estrutural no campo e o desenvolvimento
industrial exigiam um crescimento rápido
da produção de energia.
Sem esta renovação, segundo
técnicos da época, “avizinha-se
para 1980, um novo descompasso, se não
forem iniciadas novas usinas hidrelétricas”
(PEREIRA, 1974).
O autor menciona “poderosas forças
ocultas” que lutam contra as usinas
hidrelétricas, influenciando a
política energética nacional,
com motivos torpes, como vender armamentos
encalhados pelo cerceamento da guerra
do Vietnã, ou para adquirir minérios
e outras matérias primas com baixo
preço. Para estes, a industrialização
e o desenvolvimento faziam crescer a classe
operária, elevando os salários,
despertando necessidades, encarecendo
e dificultando a exploração
colonial dos recursos naturais. Para resolver
o problema de abastecimento, o governo
brasileiro escolheu a construção
da barragem de Itaipu.
Ainda segundo Pereira (1974), no caso
Itaipu, a Argentina era a maior parceira
de aproveitamento, mas desentendimentos
anteriores complicaram estas negociações.
Para o autor, estes conflitos decorreram
sempre das influências externas,
desde as disputas de Portugal e Espanha,
até as concorrências comerciais
dos EUA e da Inglaterra.
Os povos, em si mesmos, nunca tiveram
razões para discordâncias,
pois nunca um dependeu do outro para sua
sobrevivência, nem nunca um retirou
nada do outro, de modo a justificar represálias
ou ressentimentos (PEREIRA, 1974).
Fajardo
(2004) possui abordagem diferente do problema,
mais analítico, conclui que Brasil
e Argentina até a década
de sessenta mantiveram posições
coincidentes sobre o aproveitamento dos
rios internacionais e um equilíbrio
de poderes na região platina. A
harmonia se rompeu pelo planejamento da
criação da hidrelétrica
de Itaipu, no rio Paraná. Buenos
Aires temia que o represamento das águas
e a operação da barragem
causassem problemas para a navegação
e comprometiam os projetos argentinos
de construção das hidrelétricas
de Yacycretá-Aipipé e Corpus,
defendiam que os recursos de divisas deveriam
ser compartilhados entre os países,
enquanto que o Brasil procurava afirmar
sua decisão argumentando que seria
prejudicial à soberania do país
submeter suas decisões a consulta
prévia e conseqüente poder
de veto de outro país.
Em 1973 a Assembléia Geral da ONU
aprova a Resolução número
3129, "Cooperação no
campo do meio ambiente relativa aos recursos
naturais compartilhados por dois ou mais
Estados", que previa a cooperação
entre países que compartilham recursos
naturais, estes deviam se dar pelo mecanismo
de consulta prévia. O que representava
uma vitória Argentina, que se tornava
sem efeito, pois esta resolução
tinha caráter meramente recomendatório,
não obrigatório e, portanto,
não impedindo o inicio das obras
de Itaipu em 1975. Desta forma, o conflito
não se resolveu, pois nenhum dos
dois países abriu mão de
seus interesses nacionais, restando à
Argentina optar pela negociação
ou pela guerra.
A opção de guerra não
foi descartada inicialmente pela Argentina,
desta forma a estratégia Brasileira
tomou contornos dualistas.
[...] de um lado, procura gerir o conflito
dentro dos limites da tolerabilidade para
ambas as partes, evitando a aproximação
do ponto de ruptura; por outro, mantém
a firme determinação de
não rever o projeto de Itaipu segundo
os interesses argentinos (GONÇALVES;
MIYAMOTO, 1993, Apud FAJARDO, 2004, p.
79).
Em 1976, Itaipu era uma realidade, enquanto
Corpus (empreendimento bilateral argentino-paraguaio)
era apenas um projeto. A Argentina tinha
em mente o projeto de Corpus em interdependência
técnica com Itaipu e, em 1977,
sugeriu negociações tripartites
com os países envolvidos, proposta
não aceita pelo Brasil por considerar
um retrocesso para o principio de consulta
prévia, alegando também
que a questão Corpus deveria ser
resolvida apenas entre Argentina a Paraguai.
Neste contexto, a Argentina propôs
a "diplomacia militar", que
tinha por intuito impedir o combate pelo
diálogo entre os militares. Nessa
estratégia, as tensões eram
superadas e iniciavam-se as reuniões
tripartites, que até o final do
governo Geisel, não resultaram
em um acordo final, que foi, finalmente
firmado com o governo Figueiredo.
Para o governo Figueiredo a resolução
deste conflito era ação
prioritária. A inclinação
brasileira em pôr um fim ao conflito,
o empenho do presidente Argentino Videla
na aproximação com o empresariado
brasileiro como forma de superar a estagnação
econômica e o reconhecimento Argentino
de que havia uma grande diferença
entre poderes entre os dois países
facilitam o Acordo Tripartite Itaipu-Corpus,
colocando fim à disputa iniciada
em 1966.
Nele, de forma implícita, são
resolvidas as diferenças de interpretação
quanto aos princípios gerais da
consulta prévia e do prejuízo
sensível, ao se estabelecer o intercâmbio
de informações técnicas;
o critério de enchimento dos reservatórios;
a garantia de navegabilidade a jusante;
e a necessidade de negociações
tripartites prévias para a introdução
de eventuais modificações
em quaisquer dos três pontos fundamentais
(FAJARDO, 2004, p.122).
O
governo de Buenos Aires decidia investir
na possibilidade de cooperação
regional em detrimento da manutenção
das antigas disputas geopolíticas
pela liderança nos contextos regional
e contíguo (FAJARDO, 2004, p. 101).
Em relação ao lado brasileiro,
o mesmo autor afirma que o Brasil, no
contexto da rearticulação
da economia mundial, aliado aos efeitos
da crise do petróleo sobre o modelo
de desenvolvimento do país –
fundado no principio do combustível
barato –, ressalta ainda mais a
importância das hidrelétricas
para a sustentação da economia
do Sul e Sudeste. Assim sendo, a manutenção
do conflito não era interessante,
pois poderia exigir a mobilização
de recursos que a situação
do país não permitia no
momento. Nessa conjuntura, a diplomacia
do Universalismo de Figueiredo priorizava
o fortalecimento dos laços com
a Argentina, e primava pela resolução
do conflito na bacia do Prata. A resolução
do conflito marcava uma era de cooperação
entre Argentina e Brasil e a usina de
Itaipu entrava em funcionamento em 1984.
6 Conclusão
Os autores analisados, em geral, concordam
entre si em suas análises. Apesar
de pequenas diferenças de interpretação.
O autor analisado que mais destoa entre
os outros é Pereira, que analisa
a questão através de uma
abordagem nacionalista, se posicionando
perante a questão sempre em defesa
do Brasil. Ao contrário dos outros
autores, nega totalmente a rivalidade
Brasil e Argentina, colocando que os conflitos
entre os países decorreram sempre
por influências externas, desde
as disputas de Portugal e Espanha, até
as concorrências comerciais dos
EUA e da Inglaterra, sendo que os povos
– argentino e brasileiro –
nunca tiveram razões para discordâncias.
Já Fajardo defende que as relações
Brasil Argentina sempre foram marcadas
por desconfiança mútua.
A origem desta desconfiança pode
ser dada às disputas entre Portugueses
e Espanhóis ocorridas no passado,
que moldam um "inconsciente coletivo"
manifestado na visão brasileira
de que a Argentina sonhava em recriar
o Vice Reinado do Prata e a visão
Argentina, de que o Brasil sendo herdeiro
da vocação expansionista
lusitana tinha propósitos imperialistas-hegemonistas
para a região da América
do Sul. O autor afirma que ambos os países
têm realmente intenções
de exercer predomínio regional
e essa “sensação de
ameaça” leva às estratégias
de poder, equilíbrio e influência
que formulam a política externa
ao âmbito regional de ambos os países.
Para o autor, Brasil e Argentina, até
a década de 1960, mantinham posições
coincidentes sobre o aproveitamento dos
rios internacionais e um equilíbrio
de poderes na região platina. A
harmonia se rompe pelo planejamento da
criação da hidrelétrica
de Itaipu, no rio Paraná.
Fajardo utiliza Moniz Bandeira em seu
trabalho e podemos ver semelhanças
na abordagem dos dois autores, apesar
de Moniz Bandeira ser mais descritivo.
Fajardo, utilizando Moniz juntamente com
a contribuição de outros
autores, tornando-se mais analítico
em relação à questão.
Ambos concordam que a questão da
construção de Itaipú
estava inserida no projeto do regime militar
brasileiro de desenvolvimento e inserção
internacional. Pela carência energética
nacional, o Brasil buscava novas fontes
de energia, o que explicava p grande interesse
no aproveitamento da potência energética
que a bacia do Prata poderia fornecer.
Já para a Argentina, Itaipú
trazia inúmeras preocupações,
pois o país interpretava o empreendimento
como um projeto de expansão da
hegemonia brasileira na América
do Sul.
Fajardo prossegue sua análise afirmando
que economicamente a Argentina temia que
o represamento das águas e a operação
da barragem, causassem problemas para
sua navegação, podendo comprometer
os projetos argentinos de construção
das hidrelétricas de Yacycretá-Aipipé
e Corpus, enquanto que geopoliticamente
temia a alteração no equilibro
regional, que até o inicio do regime
militar brasileiro pendia para a hegemonia
Argentina.
Para Fajardo e Moniz Bandeira, a contenda
representava uma disputa geopolítica
entre os países, por influência
na Bacia do Prata e na América
do Sul. Fajardo afirma que o predomínio
brasileiro na disputa ocorre pela não
definição da política
externa Argentina, já que sua atenção
estava mais direcionada aos seus problemas
internos, o que resultou numa não
definição de sua política
externa durante longo período.
A resolução da disputa marcou
uma nova etapa no relacionamento Brasília
e Buenos Aires, que evoluía de
um cenário de conflito, onde a
ameaça de confronto armado estava
sempre presente, para um quadro de competição
não antagônica, o que evidencia
que e a existência de regimes militares,
fundamentados no conceito de segurança
e interesse nacional, não são
obstáculo para o desenvolvimento
de boas relações externas.
Vizentini, mais focado nas relações
internacionais entre os dois países,
analisa que o governo Geisel acreditando
que o regime centralizador estava chegando
a seu limite, encaminhava um processo
de abertura política. Na política
externa inicia um projeto de inserção
autônoma na área internacional,
se livrando das amarras da guerra fria
e aproximando-se dos princípios
da Política Externa Independente
de Jânio Quadros e João Goulart.
A motivação para este projeto
estava nas dificuldades econômicas
em que o país estava mergulhado
com a crise do petróleo, tendo
a intenção de estabelecer
uma maior aproximação com
a América do Sul. A ampliação
desta política deu-se no governo
Figueiredo e sua Diplomacia do Universalismo,
que de um modo geral buscava um maior
espaço de participação
no que se refere às relações
internacionais do Brasil frente aos outros
países industrializados. A visão
secundária que os Estados Unidos
atribuía a América Latina
levava o Brasil a descartar a possibilidade
de novo realinhamento com os norte-americanos.
A política externa ampliou sua
diplomacia para outros pólos capitalistas
e a América do Sul ganhava prioridade.
Nesse sentido, esforços maiores
por parte do Brasil são empenhados
para a solução da disputa
entre a Argentina na questão Itaipu,
resolvida em 1979 com o acordo tripartite
Itaipu-corpus.
Fajardo concorda com Vizentini e amplia
sua análise, ao afirmar que na
conjuntura da crise mundial – crise
do petróleo em 1973 – a manutenção
do conflito não era interessante,
pois poderia exigir a mobilização
de recursos que a situação
do país não permitia naquele
momento. Nesta conjuntura a Diplomacia
do Universalismo de Figueiredo priorizava
o fortalecimento dos laços com
a Argentina, primando pela resolução
do conflito na bacia do Prata.
Fajardo conclui afirmando que o acordo
Tripartite Itaipu-Corpus, assinado no
governo Figueiredo, marcou uma etapa onde
o sentimento de desconfiança recíproca
entre Argentina-Brasil evoluiu para uma
fase de entendimento anteriormente inexistente,
e inaugurou um novo ciclo no relacionamento
mútuo, onde o conflito permanente
é substituído pela busca
de soluções conjuntas para
problemas comuns. O acordo, além
de um marco simbólico nas relações
bilaterais assinalou o início do
processo de integração regional
e representou um ponto de inflexão
entre a disputa geopolítica e a
política de cooperação
na Bacia do Prata.
Referências:
FAJARDO, José Marcos Castellani.
Acordo Tripartite Itaipu-Corpus: Ponto
de inflexão entre a disputa geopolitica
e a política de cooperação.
Porto Alegre: UFRGS, 2004. 170 p. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Ciência
Política, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.
MONIZ
BANDEIRA, Luiz Alberto. O eixo Argentina-Brasil:
o processo de integração
da América Latina. Brasilia: Ed.
UnB, 1987
PEREIRA,
Osny Duarte. Itaipu: prós e contras.
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1974.
VIZENTINI,
Paulo Fagundes. A política externa
do regime militar brasileiro. 1. ed. Porto
Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1998.