A
INFLUÊNCIA DO IDEALISMO DE ALBERTO
PASQUALINI NO GOVERNO JOÃO GOULART
(1961-1964)
Alexsandro
Witkowski
Tassiane Melo de Freitas
Resumo
O objetivo central da investigação
é compreender a realidade histórico-social
brasileira, no período conturbado
do governo João Goulart, e as influências
das idéias doutrinárias
de Alberto Pasqualini no projeto do governo
populista, assim, temos por baliza temporal
o período entre 1961 a 1964 e como
baliza geográfico-espacial o Brasil.
Como aspectos e objetivos secundários,
procuramos identificar e cotejar os acontecimentos
que levaram às rupturas –
sejam parciais ou totais – do governo
com a cultura política brasileira
e com os grupos sociais envolvidos, comparando
algumas visões historiográficas
sobre o período do trabalhismo
janguista com os principais pensamentos
de Pasqualini, identificando a influência
do seu idealismo no governo João
Goulart, principalmente nos processos
de desenvolvimento econômico e reformas
sociais progressistas.
Palavras-chave: História
política brasileira. Trabalhismo.
Alberto Pasqualini.
1. Introdução
O tema escolhido abrange um período
conturbado da história brasileira,
o governo do presidente João Goulart
(1961-1964), no qual pretendemos realizar
um breve estudo que não seja apenas
uma simples narração dos
eventos históricos e políticos,
tão pouco queremos encontrar motivações
ocultas e suas conseqüências
também pouco (ou nem sempre) visíveis,
mas sim compreender os aspectos da vida
brasileira num de seus momentos de maior
tensão, assim, interpretar e cotejar
os fatos em uma dinâmica econômica,
social e política para melhor compreendermos
a relação entre a cultura
política brasileira e a doutrina
teórica do trabalhismo de Alberto
Pasqualini, além da participação
dos protagonistas (grupos sociais) deste
período histórico, pois
o governo João Goulart refletiu
o crescimento de lutas entre os grupos
sociais, seja para a manutenção
de privilégios e exploração,
seja para conquistas de direitos políticos
e sociais.
Desta forma, é preciso compreender
o período do governo de João
Goulart (metas, propostas, políticas
sociais, etc.) e a instabilidade social
e política no Brasil provocada
pelo acirramento da luta de classes entre
os grupos sociais envolvidos, acelerando
a crise e o fim do populismo com o golpe
civil e militar, em abril de 1964, investigando
qual foi a importância do idealismo
de Pasqualini neste período, influenciando
nas propostas de Jango e Brizola, pois
estes últimos ou são considerados
como herdeiros políticos do legado
de Vargas (pragmáticos) e Pasqualini
(ideólogos) ou são considerados
justamente como uma terceira possibilidade
de análise, os ideólogos-pragmáticos
– correntes internas do PTB.
O objetivo central da investigação
é compreender a realidade histórico-social
brasileira, no período conturbado
do governo João Goulart (1961-1964),
e as influências das idéias
doutrinárias de Alberto Pasqualini
sobre o trabalhismo na formação
teórica do partido político,
o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
(1945), e no projeto do governo populista
na (tentativa de) execução
da teoria na prática com as reformas
de base na fase final do governo populista
trabalhista, identificando e cotejando
os acontecimentos que levaram às
rupturas – sejam parciais ou totais
– do governo com a cultura política
brasileira e com os grupos sociais envolvidos,
comparando algumas visões historiográficas
sobre o período do trabalhismo
janguista com os principais pensamentos
de Alberto Pasqualini, identificando a
influência dos ideais de Pasqualini
no governo João Goulart, principalmente
nos processos de desenvolvimento econômico
e reformas sociais progressistas.
Através do auxílio das perspectivas
teóricas trabalhadas pela abordagem
compreensiva weberiana, queremos construir
conhecimento a respeito do tema, a ser
abordado no presente trabalho, de forma
a nos auxiliar na compreensão da
complexidade e da tensão dos grupos
sociais envolvidos no período,
relacionando a satisfação
de suas necessidades materiais com as
influências das relações
econômicas sobre as instituições
sociais do governo João Goulart
(organização política),
apresentando um breve contexto sobre as
origens e o desenvolvimento dos processos
que influenciaram o pensamento de Alberto
Pasqualini na formação de
sua doutrina política em defesa
do capitalismo solidarista e do projeto
desenvolvimentista do trabalhismo brasileiro,
com suas especificidades, na política
brasileira.
Quanto à abordagem metodológica,
utilizar-se-á do método
indutivo como estratégia de construção
do texto e como procedimento metodológico
será utilizado a forma comparativa.
Estas metodologias se tornam necessárias
porque o trabalho pretende se revestir
de uma forma pedagógica e acadêmica,
que, por sua vez, induza o leitor a fazer
uma ligação de idéias
diante de dados que são analisados
de forma comparativa. E, assim, através
da comparação historiográfica
entre os autores sobre o período,
além da consulta e interpretação
de fontes primárias (artigos, discursos,
documentos, etc.) sobre Alberto Pasqualini,
seremos capazes de desvendar e construir
um conhecimento científico a partir
do tema, contribuindo com conclusões
parciais que possibilitem o avanço
do objeto de estudo apresentado.
Para elaboração deste artigo,
utilizamos como referências principais
as duas obras de Simon (1994 e 2004),
organizador de importantes coletâneas
de documentos produzidos por Alberto Pasqualini
durante a sua vida pública, ou
seja, fontes primárias fundamentais
para a compreensão do pensamento
político pasqualista. Além
disso, Simon deixa clara a sua posição
ao enaltecer as qualidades morais de Pasqualini,
sua posição de maior ideólogo
do trabalhismo brasileiro e fundador de
uma doutrina política econômica
e social que antecipou a chamada terceira
via, aplicada atualmente pelos trabalhistas
britânicos: a social-democracia.
Simon, ainda, citou os fatos mais marcantes
da biografia de Pasqualini, analisou suas
posições sobre os temas
dominantes de seu tempo, em especial:
a pobreza, a importância da defesa
do trabalhador, a desigualdade social,
a urgência da reforma agrária
e a necessidade de um Estado eficiente
e confiável para inspirar cidadania.
O título “Alberto Pasqualini:
obra social e política” (1994)
são coletâneas de documentos,
discursos e idéias do próprio
Pasqualini, organizado em quatro volumes
pelo então (e atual) senador Pedro
Simon, em 1994. A sua outra obra, “Alberto
Pasqualini: textos escolhidos”,
de 2001, é uma republicação
do trabalho/obra de 1994, mas se destacando
– entre artigos em jornais, conferências,
projetos e pareceres – os textos
que pareciam mais significativos ao organizador,
ou seja, aqueles que mais impressionavam
pela sua vitalidade e atualidade, auxiliando-nos
para selecionar as fontes primárias
mais significativas para a compreensão
dos ideais de Pasqualini, especialmente
a respeito do trabalhismo.
A obra “O pensamento político
de Alberto Pasqualini” (2005), de
Gervásio Neves (Org.), Liana Bach
Martins (Org.) e Márcia Eckert
Miranda (Org.), é a reunião
de quarenta trabalhos de Alberto Pasqualini,
buscando confirmar o reconhecimento à
importância do conjunto da obra
de Pasqualini, auxiliando na compreensão
da estruturação da doutrina
do trabalhismo brasileiro. Desta forma,
cotejando as obras citadas com outras
obras a respeito do período do
governo João Goulart (1961-64),
foi possível elaborar o presente
artigo na expectativa de poder contribuir
ao estudo deste personagem histórico,
fonte de inspiração para
grande parte dos políticos gaúchos,
e do próprio trabalhismo nas décadas
de 1940, 50 e 60.
2. O pensamento político
de Alberto Pasqualini
Aqueles que afirmam que, ora nos revelemos
capitalistas, ora socialistas, que ora
roçamos o comunismo e ora afagamos
o espiritualismo cristão, ou não
têm, ou fingem não ter, a
menor noção dos temas que
pretendem discutir, ou ainda, o que é
pior, procuram desvirtuar nosso pensamento,
falsear as idéias que defendemos,
para depois refutá-las.
Nossa posição é clara
e definida. Se por socialismo se entender
a socialização dos meios
de produção, não
somos socialistas; se se entender, simplesmente,
uma crescente extensão da solidariedade
social e uma crescente participação
de todos nos benefícios da civilização
e da cultura, então somos socialistas.
Da mesma forma, se por capitalismo se
entender individualismo, egoísmo
e tradicionalismo, não somos capitalistas;
se, porém, se entender uma função
social que se exerce para o crescente
progresso econômico e social da
coletividade, então somos capitalistas.
Trabalhismo e capitalismo solidarista
são expressões equivalentes
porque, no seu conceito, se ressalta o
primado do trabalho na produção
da riqueza (Correio do Povo, Porto Alegre,
14 de dezembro de 1946).
O
trecho acima refere a uma pequena parte
do discurso realizado em Caxias do Sul,
no encerramento da convenção
do PTB, durante campanha para o governo
do Estado, local em que Pasqualini expõe
com profundidade o essencial da doutrina
que abraçou ao longo de sua vida
pública – Trabalhismo e capitalismo
solidarista –, ao mesmo tempo em
que se defende de acusações
de cunho ideológico: ora como defensor
do capitalismo, ora como defensor do socialismo.
Na verdade, Pasqualini defendia que a
transformação social e progressista
que conduziria a uma sociedade mais justa
deveria iniciar-se pelo respeito aos princípios
fundamentais de uma sociedade democrática:
eleições livres, liberdade
de imprensa, partidos bem estruturados,
parlamento forte, protegendo os direitos
individuais e, principalmente, respeito
à livre manifestação
de idéias, mesmo as divergentes
(SIMON, 1994, v. 1, p. 14-15).
Mas para compreender a obra de Pasqualini,
é preciso resgatar uma breve síntese
do seu passado. O bacharel Alberto Pasqualini
(23.09.1901 a 03.07.1960) foi advogado
e professor de Ciências Sociais
e Jurídicas na UFRGS (décadas
de 1930-40), eleito vereador de Porto
Alegre (1935-37), servidor público
estadual comissionado no período
intervencionista do Estado Novo e senador
(1951-55, inclusive sendo o relator do
projeto que criou a Petrobrás),
duas vezes concorreu ao governo do Estado
(1946 e 1954) sem obter êxito e
teve na religião católica
e no trabalhismo inglês com fontes
na formação de sua doutrina
política e social. A doutrinação
e formação trabalhista estão
contidas na sua obra “Bases e sugestões
para uma política social”,
de 1947, considerado um marco para a consolidação
das idéias de Pasqualini a respeito
do trabalhismo e do PTB (ABREU, 2001,
p. 4437-4438).
Conforme Simon (1994, p. 20-24), amparado
pela filosofia cristã e católica,
percebe-se a coincidência da visão
do seu trabalhismo com os Encíclicos
Papais, especialmente a Rerum Novarum,
de Leão XIII, e a Quadragesimo
Anno, de Pio XI, pregando o humanismo,
a solidariedade cristã e o próprio
trabalhismo, pois, conforme Pasqualini,
a “religião não deve
representar uma fuga; deve ser, antes,
um princípio e uma norma de ação”.
Ele adotou uma posição agnóstica
em sua vida pública, mesmo tendo
uma família religiosa (católica).
Passou a juventude em colégios
religiosos, pautou a sua vida de acordo
com os mais rígidos preceitos da
moral cristã, no entanto, quando
esteve no exercício de mandatos
e cargos públicos, afirmou não
ser adepto de nenhuma religião,
ou seja, era um funcionário do
Estado e não membro de uma religião,
inclusive tomando decisões em contrário
aos interesses da Igreja.
A respeito do trabalhismo, antes mesmo
de sua criação como partido
(1945), naquela época quem tinha
preocupação social era comunista
e Pasqualini não escapou da acusação
– tática política
da oposição para incompatibilizá-lo
com o eleitorado católico. No entanto,
trabalhismo e comunismo eram antagônicos.
Os trabalhistas prejudicavam politicamente
os comunistas, pois estes estavam interessados
na permanência da situação
atual para agravar os atritos entre as
classes e o povo se convencesse que não
há soluções dentro
do regime capitalista – ao contrário
do trabalhismo pasqualista, com sua visão
humanista e cristã do capitalismo,
pregando uma cooperação
entre as classes e não o acirramento
da luta.
Pasqualini combatia a dualidade do discurso,
comum na época, que afirmava só
haver duas alternativas ou propostas:
ser comunista ou capitalista. Ele não
era nem um e nem outro ao mesmo tempo
em que defendia idéias socialistas
e capitalistas. Simon (1994 e 2001) e
Neves (2005) concordam que Pasqualini
com seu discurso em favor do capitalismo
solidarista está muito próximo
da social-democracia (a doutrina política
dominante hoje em dia nos países
ocidentais europeus). O capitalismo solidarista
e o trabalhismo de Pasqualini são
expressões equivalentes, onde os
métodos e soluções
não se baseiam na luta de classe,
mas na solidariedade entre as classes.
No entanto, a burguesia gaúcha
reagia à pregação
de Pasqualini chamando-o de esquerdista,
comunista e ateu, pois ele defendia o
acesso fácil dos colonos à
posse de terra, além de propor
a extensão dos benefícios
da legislação trabalhista
aos trabalhadores rurais, pois sendo o
trabalhismo uma doutrina social, quando
aos seus postulados e objetivos humanitários,
nada mais justo que propor esse ato de
solidarismo, progressista, mas visto com
enorme desconfiança pelas elites
no período inicial da guerra fria.
Com a polarização entre
PTB e PSD no Rio Grande do Sul, com vários
movimentos internos num mesmo partido,
que são carentes (fragilizados)
de ideologia, onde, por exemplo, Getúlio
Vargas (entre 1945 e 1950) se destacou
com sua atuação ambígua
com relação ao trânsito
entre PSD e PTB. A chamada “Lei
Agamenon”, que traça as normas
para a organização de partidos
políticos em 1945 (que deverão
ter um caráter nacional), tinha
por objetivo evitar uma fragmentação
política regional federalista ao
mesmo tempo em que permite a criação
de novos partidos, mas partidos nacionais
(fim dos partidos regional-estaduais).
Por causa desta lei, a USB (União
Social Brasileira), criada por Pasqualini
e demais membros em setembro de 1945,
defende e apóia o capitalismo solidarista,
empreendedor, de sentido social, para
todo o Brasil (Correio do Povo, Porto
Alegre, 21.09.1945). Posteriormente, ocorrerá
a fusão com o PTB, em 1946.
Essa complexa e contraditória rede
política gaúcha –
e suas alianças – é
apresentada minuciosamente por Bodea em
sua obra (1992), fundamental para entendermos
a evolução política
rio-grandense, com ênfase no PTB
e nos discursos dos seus principais políticos,
no período posterior a 1947 até
1954, com a morte de Vargas e segunda
derrota de Pasqualini ao governo do Estado,
marcando o fim de uma fase do trabalhismo
gaúcho e brasileiro. Na visão
de Pasqualini, o trabalhismo é
uma ideologia, um sistema político
e social, e não um projeto pessoal
de um líder – o queremismo
é uma atitude sentimental em relação
a Getúlio Vargas, ou seja, um movimento
pela continuidade ou retorno de Vargas
ao poder.
Bodea (1992, p. 58-60) apresentou a formação
e o desenvolvimento do PTB no Rio Grande
do Sul – que se destacou não
só por ser a seção
estadual mais organizada e berço
político de Vargas, mas também
pela contribuição teórica
doutrinária de Alberto Pasqualini
com seu objetivo de transformar o capitalismo
individualista em capitalismo solidarista,
com uma socialização parcial
do lucro – para melhor compreensão
do projeto do trabalhismo a nível
nacional.
É uma visão regional sobre
o relacionamento político entre
Vargas e Pasqualini, destacando com detalhes
as diferenças (não no sentido
de rivalidade) e semelhanças entre
ambos, com Vargas e seu projeto político
nacional (ele era uma liderança
política nacional, estadista e
um grande estrategista político)
e Pasqualini com seu projeto de construção
do PTB gaúcho (é a liderança
política regional), um exímio
doutrinador e teórico, visando
à extensão do projeto trabalhista
para nível nacional.
Percebemos, ainda, que o PTB surgirá
como um partido popular (inicialmente
sindicalista), mas após haverá
a evolução/avanço
do PTB com a inclusão dos pragmáticos-getulistas
(oriundos do PSD) e dos intelectuais da
corrente-ideológica (a parte intelectual
do partido, formada por acadêmicos
e profissionais liberais ex-integrantes
da USB), sendo que estes vão absorver
a antiga corrente-sindicalista, abrindo
espaço para a criação
de uma corrente ideológica-pragmática,
ambígua entre a orientação
teórica de Pasqualini e a liderança
de Getúlio Vargas. (BODEA, 1992,
p. 60).
Nestas diferenças, na verdade,
conforme Bodea, existe um entrosamento
(mesmo que em conflito) entre as duas
lideranças, com o casamento do
projeto nacional de Vargas e o reformismo
social de Pasqualini com sua proposta
de capitalismo solidarista, com destaque
para o fato de que ambos defendem a questão
da intervenção do Estado
na economia como forma de regulação
econômica em favor do progresso
e do social.
No entanto, percebemos que no artigo “Ditaduras”
(Correio do Povo, Porto Alegre, 11.07.1943)
o próprio Pasqualini criticava
a concentração de poder
e os tipos de autoridades na ausência
da separação ente o poder
e o seu detentor, pois a complexidade
e amplitude dos problemas sociais, políticos
econômicos e administrativos do
Estado moderno exigem que o poder seja
compartilhado e não concentrado
nas mãos de um só homem,
mesmo sendo (pretensamente) o mais inteligente,
o mais capaz. É uma crítica
direta ao Estado Novo e a personificação
de Vargas, algo combatido por ele mais
adiante na formação do PTB,
conforme as fontes primárias apresentadas
nas obras de Simon (1994 e 2001), Neves
(2005) e do próprio Pasqualini
no conjunto de sua obra nas décadas
de 1930, 40 e 50.
Conforme Simon, Pasqualini também
percebeu e defendeu que o PTB não
poderia e nem deveria depender apenas
do carisma de Getúlio Vargas, ou
seja, a defesa do trabalhador através
de simples remédios jurídicos:
proteção ao trabalho e ao
salário, sem alterar as relações
de produção. O PTB, na verdade,
deveria sim se transformar em um partido
de idéias, em prol de uma linha
política em defesa da submissão
dos interesses privados aos interesses
da coletividade, ou seja, uma posição
intermediária entre o capitalismo
e o socialismo, pois os que lutam por
idéias estão preocupados
com a realização do seu
ideal, uma vez no exercício de
um mandato o servidor público deveria
assumir atitudes políticas, ou
seja, atender os cidadãos, sem
fazer distinção entre ideologias
ou credos, preferências eleitorais
ou partidos, portanto, devendo defender
não uma ou outra corrente partidária,
mas os interesses da coletividade –
respeitando as diferenças entre
o público e privado (1994, p. 52).
3. A influência da corrente-ideológica
trabalhista no governo João Goulart
O professor deve, principalmente, educar
a juventude no sentido de desenvolver
nelas as idéias e os sentimentos
de solidariedade social e de fraternidade
humana. Só assim poderemos preparar
gerações onde os problemas
e as desigualdades sociais não
atinjam as asperezas da hora presente.
[...] sem a ação do professor
nenhuma obra coletiva duradoura será
possível porque lhe faltarão
as bases psicológicas. Eis que
o professorado deve necessariamente formar
a vanguarda do progresso moral da sociedade
(Correio do Povo, Porto Alegre, 27 de
novembro de 1947).
Percebemos
que, para Pasqualini, o trabalhismo apenas
se aproximaria do socialismo como uma
forma de crescente extensão da
solidariedade social e participação
de todos nos benefícios da civilização.
Por outro lado, também se aproximaria
do capitalismo no sentido de exercer um
crescente progresso econômico e
social da coletividade, ou seja, a idéia
de que o mundo poderia avançar
gradualmente, progressivamente, com transformações
constantes e conscientes. O PTB era o
instrumento fundamental, privilegiado
e exclusivo de realização
das reformas sociais para chegar ao solidarismo.
Porém, na sua visão, o partido
deveria preocupar-se não só
em ganhar eleições, mas
sim em criar uma conscientização
na sociedade civil para realizar um amplo
programa de transformações
sociais, mesmo que para isso devesse privilegiar
os métodos democráticos
para chegar ao poder.
No entanto, mesmo no poder com Vargas
(1951-54) e posteriormente com Jango (1961-64),
os ideais do trabalhismo nacional apresentavam-se
diferentes do idealismo de Pasqualini,
pois é o período do populismo
(e em fase de crise), mas algumas características
podem ser levantadas para o debate, especialmente
no governo Jango – identificado
como adepto da corrente ideológica-pragmática
do PTB, ou seja, ambígua entre
a orientação teórica
e doutrinária (idealismo) de Pasqualini
e o pragmatismo pela sociedade política
(mas agora sem a sombra de Vargas e de
seu aparato instrumental eleitoral).
Conforme Weffort, o termo populismo, no
caso brasileiro, é normalmente
associado ao autoritarismo paternalista
ou carismático dos líderes
de massas da democracia pós-guerra
(1945-64), mas também é
a expressão mais completa da emergência
das classes populares durante um período
de desenvolvimento urbano e industrial,
ou seja, a incorporação
das massas ao jogo político. Em
síntese, é um projeto em
conjunto, onde a figura do Estado apresenta-se
como conciliador, mas a serviço
do capitalismo, da industrialização
e manutenção da ordem vigente,
o chefe de estado era o árbitro,
o que lhe garantia força pessoal,
confundindo-se com o próprio Estado,
“entre o amor ao povo e o amor ao
poder” (WEFFORT, 2003, p. 61-63).
Em suas obras, Toledo (1997) e Fausto
(2003) recapitulam as características
básicas entre 1961 e 1964, referindo-se
a crescente e intensa crise financeira
(herança do governo JK), constantes
crises institucionais, as classes populares
agindo por conta própria, as reivindicações
das ligas camponesas pela extensão
dos direitos trabalhistas, existência
de organizações atuantes
(diversidade política) e uma classe
média organizada politicamente.
Jango assume após a renúncia
de Jânio Quadros e a Campanha da
Legalidade promovida no Rio Grande do
Sul (agosto de 1961), período de
agitações e perturbações
que quase levaram a uma eminente guerra
civil, mas um acordo inconstitucional
permitiu a adoção do sistema
parlamentarista, híbrido, com Tancredo
Neves como primeiro ministro, até
o plebiscito de 1963 que confirmou o retorno
do presidencialismo. Mas todo este processo
consumiu quase um ano e meio do governo
Jango, que praticamente não conseguiu
governar conforme seu plano de governo.
Após o retorno do presidencialismo,
Jango, por exemplo, adotando idéias
de Pasqualini, propôs que vários
imóveis (alugados) poderiam ser
adquiridos em definitivo pelos inquilinos,
seja pelo financiamento ou desapropriação,
algo que assustou a classe média
proprietária. Assustou também
as estruturas do campo com a promessa
de fazer a reforma agrária. É
a época do auge da guerra fria
(EUA x URSS), assim, o medo era grande
por causa da chamada “república
sindicalista”, ou seja, adotar os
modelos cubanos, chineses ou soviéticos.
Mas, assim como Pasqualini, Jango não
era um revolucionário, pelo contrário,
na verdade ele pretendia fazer as reformas
com terras e imóveis devolutas,
ou seja, que já pertenciam ao governo,
sem prejudicar os proprietários
ou latifundiários. Ele tinha que
articular (e sofrer pressões) com
as forças armadas nacionalistas,
burguesia industrial nacional, classe
operária, intelectuais do governo,
etc., enfim, a situação
não era fácil.
Devido essas pressões, Toledo (1997)
lembra que foi elaborado o Plano Trienal,
ou seja, o povo deveria apertar o cinto.
Era um plano conciliador (populista) que
tinha por objetivo manter as taxas de
crescimento da economia e reduzir a inflação
(agradar as classes trabalhadoras), além
da promessa da retomada do projeto desenvolvimentista,
ou seja, visando o desenvolvimento para
retomar as taxas de crescimento dos anos
1950. Assim, este projeto político
deveria recuperar a economia e preparar
a imagem política do próprio
Jango (ou dos líderes trabalhistas,
como Brizola) para o futuro.
No entanto, este Plano Trienal de Desenvolvimento
Econômico e Social, elaborado pelo
ministro do planejamento Celso Furtado,
também atendia as condições
exigidas pelo FMI, ou seja, indispensáveis
para a obtenção de novos
empréstimos e para a renegociação
da dívida externa. O Plano Trienal
também determinou a realização
das chamadas reformas de base: reforma
agrária, fiscal, educacional, bancária,
eleitoral, entre outras. Para o governo
janguista, elas eram necessárias
ao desenvolvimento de um “capitalismo
nacional” e “progressista”.
Neste ponto destacamos as influências
doutrinárias de Pasqualini no governo
de João Goulart, pois o idealismo
de Pasqualini representava uma consciência
de que, para aqueles que sentem e compreendem
as responsabilidades do Governo, não
é a derrota eleitoral mas sim a
vitória que poderá preocupar
(SIMON, 1994, p. 30). Esse pensamento
justificava a sua preferência pelos
idealistas ao invés dos pragmáticos
e oportunistas, visto que
Onde não existe idealismo, onde
a atividade pública não
é um ato de renúncia, de
desprendimento e quase uma missão
apostolar, o poder político se
tornará sempre o monopólio
de corrilhos, de grupos econômicos,
um jogo do mercantilismo e da aventura.
E então os órgãos
[...] existirão apenas para defender
interesses pessoais, proteger apadrinhados
e enriquecer os especuladores (Diário
de Notícias, Porto Alegre, 06 03.1951).
Na
verdade, este debate envolvia questões
pelo aspecto doutrinário e institucional,
pois a idéia de reforma de base
era uma visão trabalhista, que
levaria à reformulação
da sociedade. Pasqualini reafirmou sua
posição no Senado no início
da década de 1950, com diversos
discursos a respeito do tema, realmente
com uma visão mais doutrinária
do que política, mais equilibrada
do que eleitoral, enfim, evitando a ambigüidade
dos pragmáticos.
Desta forma, Jango tenta compor um bloco
de poder com os interesses agroindustriais
nacionais, não comprometidos com
o capital estrangeiro, apoiado pelos trabalhadores
da cidade e também do campo. As
reformas de base, o seu plano de governo,
tinham como objetivo atingir os interesses
das empresas multinacionais, através
da lei que restringe a remessa de lucro
às suas matrizes visando impedir
a saída maciça de capitais
para o exterior, ou seja, como desejava
Pasqualini, o capitalismo deveria ter
uma “função social
que se exerce para o crescente progresso
econômico e social da coletividade”,
assim deveria ser empreendedor, almejando
o lucro, mas de sentido social na repartição
deste lucro e atendendo os anseios da
classe trabalhadora. Pasqualini, nacionalista
convicto, não possuía preconceitos
com o capital estrangeiro, mas acreditava
que este deveria aceitar e correr os riscos
e repartir os lucros com o Estado, de
maneira honrada, livre e dentro da lei.
Outro ponto a se destacar, sobre as reformas
de base, era a questão até
então inquestionável: o
latifúndio. Jango oferecia propostas
(ainda que tímidas, como já
foi citado) de reforma agrária.
O próprio Pasqualini, em 1945,
já defendia a criação
de colônias agrícolas como
solução à concentração
da propriedade rural e em benefício
dos trabalhadores sem terra. Seria através
da justiça social a forma de repartir
os benefícios da civilização,
ou seja, dos frutos e benefícios
da cultura e da civilização,
assim como o uso e gozo dos bens da terra
(SIMON, 1994, p. 13). Pasqualini em 1949
já ensinava que
Distribuir melhor a propriedade de terra
não significa socializá-la.
A propriedade da terra deve estar sempre
condicionada ao seu melhor uso. É
preciso não esquecer que a terra
não pode ser aumentada nem diminuída.
Existe, em extensão limitada, de
onde a necessidade de ser bem aproveitada
do ponto de vista econômico e social
(Diário de Notícias, Porto
Alegre, 10.12.1949).
Na
área trabalhista, as reformas de
base apresentavam reajustes reais de salários
e uma política de controle de preços
dos bens básicos de consumo, ou
seja, um dos itens da função
social do capitalismo solidarista que
Pasqualini defendia arduamente. Assim
como uma reforma bancária, para
possibilitar crédito fácil
e acessível à população,
especialmente quem trabalhava no campo,
e também porque a manobra especulativa
deveria ser combatida, por ser anti-social
e anti-econômica. É anti-social
porque obriga o consumidor a pagar lucros
de intermediários não razoáveis
e anti-econômica porque desorganizava
os mercados e a população.
Pasqualini considerava imprescindível
a intervenção do Estado
na esfera econômica, quer para superar
as deficiências da iniciativa privada,
quer para corrigir suas anomalias, justamente
pensando na coletividade e solidariedade
(SIMON, 1994, p. 52).
Outro item importante é a reforma
educacional, pois Pasqualini já
alertava que
Não haverá transformações
sociais estáveis e duradouras se
não se formar, ao mesmo tempo,
o caráter do homem. O que é
necessário, por isso, é
educá-lo [...]. Educar é
ensinar a compreender, a sentir e a reagir.
Educar é formar convicções.
Para que possa haver educação
é necessário, pois, antes
de tudo, que haja liberdade de pensamento
e de sua expressão. (SIMON, 1994,
p. 13-14)
Em matéria de ensino, estamos atrasados,
pelo menos, dois séculos.
[...]
Nosso País jamais poderá
industrializar-se, jamais poderá
atingir o nível de civilização
das grandes nações, enquanto
o ensino, de um lado se limitar à
alfabetização e, de outro,
a fabricar doutores, em regime, aliás,
de produção do tipo inferior
(Correio do Povo, Porto Alegre, 25.02.1942).
Portanto,
nas reformas de base, as principais propostas
de Jango já estavam no discurso
de Pasqualini em 30.08.1951, no Senado,
onde o então senador defendia as
reformas de base, criticando o clientelismo
político e o empreguismo promovido
na administração pública
pelos partidos que estão no poder.
Originalmente, na visão materialista,
o Estado foi criado a serviço dos
grupos sociais mais ricos e poderosos
(elites), no entanto, percebemos no discurso
de Pasqualini o Estado como uma instituição
com função social, a serviço
de todos, para evitar que os grupos mais
poderosos dominassem, pela violência
e tradição, os grupos mais
humildes. Ou seja, o Estado não
poderia ser apenas um guardião
da tranqüilidade pública (visão
liberal), policial, mas sim deveria dar
a todos o mesmo ponto de partida, pela
educação universal, e que
atenue as diferenças sociais com
os equipamentos comuns de saúde
e os recursos do crédito, conforme
defendeu Pasqualini no discurso de 23.11.1951,
no Senado.
Esta perspectiva reformista era influenciada
pelo trabalhismo inglês, mas Pasqualini
em seus documentos várias vezes
reiterava que o trabalhismo brasileiro
possuía suas especificidades pelo
fato do Brasil não estar no estágio
dos países capitalistas modernos:
legal e racional – um estado moderno
e racional, legitimado pela lei, ou seja,
o líder deve passar por processos
legais de nomeação, pelo
voto e com eleições livres
e democráticas.
No entanto, o anúncio destas reformas,
baseadas no idealismo de Pasqualini, aumentou
a oposição ao governo e
acentuou a polarização da
sociedade brasileira. Jango perdeu rapidamente
suas bases de apoio na burguesia. Para
evitar o isolamento político, reforçou
as alianças com as correntes reformistas
e de esquerda, da UNE (União Nacional
dos Estudantes) e até mesmo do
Partido Comunista Brasileiro, que, embora
na ilegalidade, mantinha forte atuação
nos movimentos popular e sindical. Mas
devido às repercussões negativas,
tanto por parte da burguesia (medo das
transformações progressistas
e sociais) e por parte dos grupos sociais
mais humildes (apertar o cinto!), o Plano
Trienal foi abandonado em meados de 1963.
Entretanto, Jango continuou a implementar
medidas de caráter nacionalista,
finalmente limitando a remessa de capital
para o exterior, nacionalizando empresas
de comunicação e decidindo
pela revisão das concessões
para exploração de minérios.
As retaliações estrangeiras
foram rápidas: governo e empresas
privadas norte-americanas cortaram o crédito
para o Brasil e interromperam a renegociação
da dívida externa (BANDEIRA, 1978,
p. 110-112).
Conforme Bandeira, as tradições
políticas impregnam uma sociedade,
constituem uma cultura, um tecido difícil
de rasgar e “jogar no lixo”.
Não adianta separá-las e
amordaçá-las porque, nos
momentos mais imprevistos, elas voltam
a incomodar. Impossível fazer política
sem partir delas, o que não quer
dizer que é preciso se conformar
passivamente com sua tradição,
mas que devem ser bem analisadas as ações
devido suas complexidades e resultados
futuros (1978, p. 131). Jango, no entanto,
sem apoio do Congresso (que negou suas
solicitações) e da burguesia,
optou por abraçar incondicionalmente
as reformas de base no início de
1964, independente do Congresso, buscando
apoio direto das massas (FICO, 2004, p.
17).
Isto criou um clima insustentável,
ao qual Ianni escreve dizendo ser “o
colapso do populismo”, pois se o
discurso em favor do nacionalismo era
muito forte, a dependência do capital
estrangeiro era muito grande também.
Ao mesmo tempo em que a esquerda apoiava
o governo, a burguesia até pouco
tempo também estava ao lado de
um projeto que mantinha a hegemonia das
classes dominantes. Com o acirramento
das relações no governo
de Jango, mas que Ianni lembra haver opções
(acusa Jango de omisso e fraco), nada
é feito para evitar o golpe civil-militar
que estava sendo arquitetado, pois o caminho
escolhido a favor da esquerda mais radical,
discurso reformista e amplamente apoiado
pelo proletariado, voltado para as reformas
de base, é insuficiente para garantir
o apoio que necessitava para evitar o
golpe. Ou seja, ocorreu uma sucessão
de erros políticos, mas a conjuntura
já indicava/apontava para o golpe,
este contendo com um discurso reacionário
e largamente apoiado pela classe média,
voltado para com as tradições
políticas brasileiras (autoritarismo)
(1988, p. 116-117).
Desta forma, justifica-se que março
de 1964 é um episódio da
guerra fria e que o objetivo apresentado
pelos militares é a restauração
da legalidade, restabelecer a federação,
eliminar o plano comunista da posse do
poder em desenvolvimento (teoria do contragolpe),
defender as instituições
militares que começavam a serem
destruídas e estabelecer a ordem
para o advento das reformas legais (SILVA,
1975, p. 34).
A corrente da historiografia que defende
a Revolução de 1964 alega
ter sido necessário o movimento
por causa dos distúrbios sociais,
agitações sindicais, desequilíbrio
econômico, insegurança política
e inflação elevada, além
de que, conforme a obra de Figueiredo
(1970, p. 104-154), entre 1961 e 1964,
no contexto da radicalização
das lutas sociais, emergiu novamente,
entre os comunistas, tendências
radicais favoráveis ao enfrentamento
armado.
No interior do trabalhismo e no interior
de todas as demais correntes populares
formou-se com força considerável
a idéia de que as classes e elites
dominantes no país não abririam
mão de seus privilégios,
ou seja, que seria preciso arrancar as
reformas de base à força.
Um slogan sintetizou esta perspectiva:
“reforma agrária na lei ou
na marra”. Seus partidários,
na prática, já não
acreditavam que seria possível
conseguir as reformas nos quadros da legalidade
e passaram a advogar o confronto (e se
fosse necessário, com armas nas
mãos) como via para a realização
do programa nacional-estatista. Baseando-se
em tais justificativas, Figueiredo (1970)
afirma em sua obra que se fez necessário
a revolução, o contragolpe.
Carlos Fico (2004), especialista em historiografia,
procura identificar o repertório
de temas, problemas e debates sobre o
golpe e o regime abordados pela historiografia
brasileira, sobretudo nos elementos centrais
para o golpe de 1964. O seu artigo se
propõe aos principais elementos
de debate sobre este recorte e, através
de um conjunto de obras, fazer uma reflexão
teórica (criticidade) dos trabalhos
existentes.
Assim, constatamos principalmente nas
obras de Bandeira (1978), Fausto (2003),
Fico (2004), Ianni (1988), Toledo (1982
e 1997) e Weffort (2003), de caráter
mais científico e com embasamentos
e argumentações que achamos
mais pertinentes, que os argumentos da
corrente historiográfica em favor
da Revolução de 1964, embora
nem sempre inverídicos (mas, em
muitos casos, amplamente distorcidos e
aproveitando-se do clima da “guerra
fria” entre EUA e URSS), foram utilizadas
para justificar o golpe civil-militar
de 1964 e, posteriormente, o governo militar
nas décadas de 1960 e 1970, como
forma de manutenção do poder
pelos grupos sociais conservadores e evitar
possíveis processos reformistas
e progressistas (conforme o idealismo
de Pasqualini), aproveitando-se da crise
(colapso) do populismo que, ao mesmo tempo
em que pretendia atender aos grupos sociais
da cidade e do campo, também visava
a consolidação e permanência
no poder, nem que fosse através
de ações autoritárias
e indo de encontro aos interesses da burguesia.
A luta de classes chegou ao ápice
no governo de João Goulart, quando
foi necessário escolher um caminho
e quebrar a harmonia entre as classes,
fazendo, assim, o populismo perder o seu
caráter dúbio e pragmático,
adotando talvez de forma literal um idealismo
defendido por Pasqualini, mas de forma
incorreta (radicalismo) e com as conseqüências
não calculadas, num momento problemático
e de crise.
Portanto, é correto afirmar que
a ditadura militar quis varrer com essas
“novas tradições”,
particularmente com o trabalhismo e com
o programa nacional-estatista, vistos
como expressão e legado da era
Vargas, mas que, na verdade, possuía
em seu conteúdo grande parte dos
ideais de Pasqualini.
4. Conclusões
Num primeiro momento, destacamos que o
problema que originou este artigo foi
a compreensão da realidade histórico-social
brasileira, no período conturbado
do governo João Goulart (1961-64),
e as influências das idéias
doutrinárias de Alberto Pasqualini
no projeto neste governo populista, apontando
as origens e o desenvolvimento dos processos
que influenciaram o pensamento de Alberto
Pasqualini na formação de
sua doutrina política em defesa
do capitalismo solidarista e do projeto
desenvolvimentista do trabalhismo brasileiro,
com suas especificidades, na política
brasileira.
Posteriormente, identificamos e comparamos
os acontecimentos que levaram às
rupturas – sejam parciais ou totais
– do governo de Jango com a cultura
política brasileira e com os grupos
sociais envolvidos, apresentando os principais
pensamentos de Pasqualini e identificando
a influência do seu idealismo nos
processos de desenvolvimento econômico
e de reformas sociais progressistas, comparando
as principais propostas do projeto de
reformas de bases do governo janguista
com os textos de Pasqualini nas décadas
de 1930, 40 e 50.
Com o decorrer do texto, percebemos e
apontamos os objetivos políticos
de Pasqualini, preocupando-se com os aspectos
políticos como função
social e visando a educação
das massas como forma de almejar e atingir
uma consciência política
para as reformas sociais necessárias.
Constatamos também que Pasqualini
defendia que o partido deveria adotar
um programa de reformas ou transformações
sociais, mas que só se manteria
no poder e conseguiria seus objetivos
através de uma ampla base de penetração
e organização na sociedade
civil, através da educação
das massas para a devida conscientização
e participação popular na
política, caso contrário,
faltaria a sustentação e
apoio em momentos cruciais, justamente
como correu logo adiante com os próprios
trabalhistas no golpe civil-militar de
1964.
Os resultados obtidos neste breve trabalho
são parciais e insuficientes para
uma análise mais detalhada sobre
a influência do idealismo de Pasqualini
no governo de João Goulart (1961-64),
no entanto, acreditamos que são
informações e conclusões
importantes que podem auxiliar na realização
de uma pesquisa mais detalhada, almejando
dados mais específicos e concretos
que possam avançar neste estudo
ou expandir o recorte (objeto de pesquisa),
por exemplo, questionar se golpe militar
era inevitável, se foi realizado
por causa do esgotamento do populismo
ou por causa da interrupção
do projeto populista em sua nova fase,
agora sim adotando ou incorporando com
mais ênfase o idealismo da corrente
ideológica de Pasqualini para o
cenário nacional, pois Jango e
Brizola, após romper com determinados
grupos sociais que os apoiavam, abraçaram
as classes operárias, os mais humildes,
os grupos nacionalistas, conforme a visão
do capitalismo solidarista, almejando
um processo reformista para a realização
da transformação social
e do desenvolvimento nacional.
Por fim, lembramos de uma entrevista de
18.03.1949, no Diário de Notícias,
quando Pasqualini foi questionado a respeito
de sua atuação como teórico
do trabalhismo brasileiro, com um discurso
diferente dos demais políticos,
ao qual respondeu afirmando que “[...]
o maior título para um homem público
será o de que o pensamento e o
sentido social dos seus atos, realizações
e atitudes possam ultrapassar-lhe a existência
material”.
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