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O Príncipe é um verdadeiro manual de conduta para os monarcas absolutistas. Acima, retrato de Nicolau Maquiavel.

História Livre - História Moderna- Renascimento / Absolutismo

RENASCIMENTO E ABSOLUTISMO NA ITÁLIA MODERNA

Marcos Emílio Ekman Faber

Primeiras tentativas de unificação da Itália

Perry Anderson inicia o capítulo afirmando: “O Estado Absolutista nasceu na era da renascença. Muitas das técnicas essenciais, tanto administrativas como políticas, foram criadas pela primeira vez na Itália”, e segue como uma questão; por que o absolutismo nunca construiu um absolutismo nacional na Itália? A partir daí o autor passa a relatar que as instituições medievais do papado e do império atuaram no sentido de impedir o surgimento de monarquias fortes tanta na Itália quanto na Alemanha. No caso italiano o papado resistiu como pôde a unificação territorial italiana, mas não foi o principal motivo do bloqueio à unificação, pois o papado durante o período encontrava-se em decadência moral e política, tanto que foi no período que o Papa sofreu o seu cativeiro na cidade francesa de Avignon, onde permaneceu sob a tutela dos reis da França. Perry Anderson afirma que um fator de muita relevância para a não unificação italiana foi a ausência de uma poder centralizador, o que permitiu a influência papal e suas manobras políticas. Mas o principal motivo que estancou uma unificação da Península foi o desenvolvimento prematuro do capital mercantil nas cidades do norte, “que impediu o surgimento de um poderoso Estado feudal reorganizado no nível feudal”. A resistência da riquíssima região da Toscana, impediu o fortalecimento de um Estado forte feudal. A exceção esteve na tentativa frustrada de Frederico II, no século XIII, que tentou expandir seu Estado baronial no sul da península.

O imperador dispunha de muitos recursos para seus projetos. O sul da Itália era a única parte da Europa ocidental onde uma hierarquia feudal piramidal, implantada pelos normandos, combinara-se com um forte legado bizantino de autocracia imperial. Frederico II chegou ao sul da Itália no século XIII, e tomou os castelos mais importantes dos nobres, restaurou os tributos feudais para a manutenção da frota. Multiplicou os castelos para intimidar as cidades e os senhores rebeldes. No aspecto econômico, os pedágios internos foram abolidos. O controle pelo Estado do comércio de grãos com o exterior permitiu grandes lucros para os domínios reais. A solidez e a prosperidade desta fortaleza de Hohenstaufen no sul permitiu a Frederico II fazer a temível aposta da criação de um Estado imperial unitário que abrangesse toda a península.

Alegando herança da península, o imperador teve o apoio dos senhores feudais do norte. Iniciou-se uma guerra, porém a linha de Hohenstaufen foi derrotada e destruída.

O papado foi o vencedor formal desta disputa, tendo orquestrado a luta contra o “anticristo” imperial e sua descendência. Mas a verdadeira força militar não estava no papado, pois militarmente o papado era deficiente e não representava uma força contra Hohenstaufen.

A razão do fracasso Hohenstaufen não estava ligada ao poder papal, mas na decisiva superioridade econômica e social do norte da Itália, que possuía o dobro da população do sul e a esmagadora maioria dos centros urbanos de produção comercial e manufatureira. Foi a ameaça as cidades-Estados que fez com que Milão e as demais cidades da Lombardia lutassem contra o imperador. As cidades da Lombardia e da Toscana foram suficientes para vencer as hordas imperiais, porém não foram capazes de unificar os territórios de base feudal-rural do sul.

Os territórios do sul foram divididos entre os pretendentes angelinos e aragoneses, o que eliminou a possibilidade de dominação da Itália a partir do sul. O papado, após o conflito, tornou-se um simples hóspede da França em Avignon.

As Cidades-Estado e a Renascença

A síntese foi que as cidades do norte e do centro viram-se livres para promover seu próprio desenvolvimento político-cultural. O eclipse simultâneo do império e do papado fez da Itália o elo mais fraco do feudalismo ocidental. É neste contexto que os cidadão destas nascentes cidades experimentaram a revolucionária experiência histórica da Renascença, ou seja, o renascimento da civilização clássica, pondo fim ao período que eles atribuíam de Trevas. Anderson afirma que “Não houve um sentido de distância real a separar a Idade Média da Antigüidade; ela sempre viu a era clássica simplesmente como a sua própria extensão natural do passado, em direção a um mundo pré-cristão ainda não redimido”.

O advento da Renascença trouxe consigo as novas ciências da arqueologia, epigrafia e crítica dos livros a fim de iluminar o passado clássico. Arquitetura, pintura, escultura, história, filosofia voltaram a ter a importância que recebiam na Antiguidade.

A Civilização Renascentista que se ergueu na Itália surgiu com tal vitalidade que ainda hoje parece-nos um réplica do mundo antigo. Naturalmente que o fato de ambas assentarem-se em sistemas de cidades-Estado fornecia uma base objetiva para a sugestiva ilusão de encarnações correspondentes. As características comuns parecem-nos que realmente havia uma grande semelhança entre as duas civilizações. Porém toda a natureza sócio-econômica das cidades-Estado antigas e da renascença era profundamente diversa.

Anderson nos alerta que as cidades-Estado italianas eram centros mercantis dominados por pequenas nobrezas e povoadas de semicamponeses, cidades que adquiriam rapidamente um configuração inteiramente diferentes das cidades clássicas, onde a classe dirigente sempre foi a aristocracia proprietária de terras e a população era formada de lavradores e plebeus despossuídos e os escravos formavam a mão de obra dominante e excluída de cidadania.

Nas cidades modernas a divisão do trabalho era muito mais desenvolvida que os da antiguidade, tal como nos transportes marítimos e na indústria manufatureira. O capital mercantil e bancário, sempre imperfeito no mundo clássico, devido não haver uma estruturação que levasse ao acúmulo de capitais, não era reproduzido agora, pois as cidades italianas possuíam amplas e bem estruturadas instituições financeiras.

Outra importante distinção levantada pelo autor é que o meio de expansão natural das cidades clássicas era a guerra, enquanto que as cidades renascentistas eram complexos organismos comerciais e industriais com reduzida capacidade militar, a expansão das cidades italianas era ligada ao desenvolvimento econômico, não militar.

Estes contrastes sócio-econômicos tiveram inevitavelmente os seus reflexos no florescimento cultural e político em que as cidades-Estados da Antiguidade e da Renascença pareciam convergir mais estreitamente. A infra-estrutura artesanal livre das cidades modernas produziram uma civilização na qual as artes plásticas ocupavam posição absolutamente predominante. Já a base escrava do mundo clássico, que divorciou o trabalho manual do cerebral de forma muito mais radical do que jamais o conseguiu a civilização medieval, produziu uma classe proprietária ociosa muito diversa do patriciado das cidades-Estado italianas.

Mas as diferenças entre as civilizações clássicas e modernas não se restringiam às questões culturais. A maioria das cidades italianas surgiram como repúblicas urbanas com um sistema formal de voto ampliado, que era efetivamente governadas por grupos restritos de banqueiros, proprietários de manufaturas, mercadores e senhores, cujo denominador comum já não era o nascimento, mas a riqueza. Na antiguidade, as tiranias em geral sobreviveram no período que separou as constituições aristocráticas das populações, como sistemas de transição destinados a ampliar as bases da organização política. Na Renascença, ao contrário, as tiranias encerraram o desfile das formas públicas: as signorie representaram o último episódio das cidades-repúblicas, e significaram a sua derrocada final num autoritarismo aristocrático.

O destino final das cidades-Estados da Antiguidade e da Renascença revela o que os separa. As repúblicas clássicas podiam dar origem a grandes impérios, pois o expansionismo territorial era o prolongamento natural de sua vocação agrária e militar. A necessidade expansionista era ligada a necessidades de novas terras, pois o campo era seu eixo existencial. A conquista militar se revelou uma via direta de transformação das repúblicas em Estados imperiais. As cidades da Renascença sempre foram centros urbanos divergentes do campo. O advento dos signorie, ditaduras principescas com vago passado agrário, não conduziria assim a nenhum ciclo posterior de crescimento político ou econômico, ao contrário, estes príncipes marcariam o fim da prosperidade das cidades italianas no seu conjunto.

A Itália setentrional e central constituía uma exceção na economia européia da última fase da Idade Média. O apogeu das comunas no século XIII foi uma época de vigorasa explosão urbana e crescimento demográfico. Esta posição fez a Itália ocupar uma posição de destaque no seu desenvolvimento econômico. A depressão do século XIV, refluxo comercial e falências de bancos reduziram a produção manufatureira, porém inicio-se uma mudança da produção de lã para a produção de artigos de seda. A qualidade das manufaturas tornou-se mais sofisticadas, voltando-se para as mercadorias de elite. A reanimação da demanda européia manteve as exportações italianas de artigos de luxo em altos níveis. Contudo, iriam se impor alguns limites a prosperidade comercial e industrial das cidades.

O grande problema ocorreu porque as corporações de ofícios impediram a separação completa entre produtores diretos e meios de produção, condição ao desenvolvimento do capitalismo. Havia a defesa da unidade persistente entre o artesão e os seus instrumentos de trabalho. Mesmo em Veneza, as corporações de ofícios viriam a se revelar uma barreira insuperável ao progresso técnico. Isso fazia com que o capital manufatureiro operasse num espaço restrito, com a pouca possibilidade de reprodução ampliada. O capital mercantil sobreviveu por mais tempo, pois o comércio não estava sujeito a tais restrições. O capital financeiro manteve seus níveis de lucratividade durante um tempo maior, por estar mais dissociado dos processos materiais de produção. Contudo sua dependência das cortes e exércitos internacionais o tornou vulnerável as instabilidades estrangeiras. Florença, Gênova e Veneza, foram vítimas dos tecido ingleses e franceses, da navegação portuguesa e holandesa e da falência bancária da Espanha, fatos que ilustram as sucessivas contingências. A liderança econômica das cidades renascentistas italianas revelou-se precária.
A grande expansão na intensidade das guerras, advento da artilharia e da infantaria profissional, tornou-se cada vez mais difícil para as cidades italianas defenderem-se.

O surgimento dos signorie que dominaram as cidades estavam na “hinterlândia feudal das zonas rurais”. A origem dos signories estão nos aliados ou lugares-tenentes de Frederico II. A maior parte dos tiranos do norte era composta por feudatários, que tomavam o poder por serem detentores das capitaneria das cidades, em muitos casos gozam de simpatia popular por terem vencido as odiadas oligarquias municipais. Quase sempre trouxeram ou ampliaram o aparelho militar para a defesa das cidades. Estes senhores, vinculados a área rural, originaram-se das alas mais atrasadas da Itália. Milão, a cidade mais rica ruralmente das cidades modernas, seria o trampolim perfeito para estes signories. Gênova e Veneza resistiram sozinhas contra o surgimentos destes príncipes.

No aspecto cultural, a Renascença atingiu seu apogeu, os príncipes e clérigos financiaram este apogeu. Quando as manufaturas a Europa continuou a adquiri os produtos de luxo da Itália. Mas, no aspecto político as cidades italianas, agora submonarquias, mostraram-se limitadas.

Uma vitória social do campo sobre as cidade nunca foi possível na Itália setentrional ou central. A unificação não era possível, pois a classe fundiária local nunca chegou a constituir-se uma nobreza feudal coesa. Os senhores que usurparam o poder das repúblicas era muitas vezes mercenários, arrivistas ou aventureiros, enquanto outros eram altos banqueiros ou mercadores. Em decorrência disso, a soberania exercida pelos signorie sempre foi ilegítima, e portanto, não podiam confiar na lealdade ou disciplina de um setor rural dominado por senhores.

O Absolutismo e o Príncipe de Maquiavel

Da confusa experiência destes signories nasceu a teoria política de Maquiavel. Apesar de as teorias maquiavélicas terem se tornado uma manual de conduta das monarquias absolutistas da Europa, na verdade a idealização da obra política e teórica de Maquiavel foi para a Itália, talvez para a unificação italiana ou meramente para a Itália Central. Maquiavel estava ciente das distâncias entre as monarquias francesa e espanhola e as tiranias italianas. Ele percebeu que na França a monarquia estava cercada por uma aristocracia poderosa e baseada em legitimidade: os nobres eram legítimos e “autônomos”, e as leis tradicionais. Porém não conseguiu compreender que o poder das novas monarquias territoriais fundamentavam-se precisamente na combinação de nobreza feudal e legalidade constitucional. Maquiavel condena os “fidalgos” a quem afirma corromperem o Estado. Segundo ele os fidalgos são inimigos de qualquer forma de governo cívico.

Para Maquiavel todos os Estados eram governados por uma pequena parcela da população. A população cuidava apenas de sua própria segurança. “O príncipe pode sempre inspirar medo e contudo eximir-se ao ódio se ele se abstém da propriedade de seus súditos e cidadãos e de suas mulheres”, tais máximas valiam tanto para um principado quanto para uma república. Para fundar um Estado capaz de resistir aos ataques bárbaros era necessária a vontade e a energia implacável de um príncipe único. Segundo Perry Anderson estava ai a verdadeira paixão de Maquiavel, a necessidade de criação de um Estado único na península. Maquiavel propõe analisar todos os tipos de principados, hereditários e o “novo”, mas segundo Anderson, a preocupação esta na construção de um “novo” principado.

Este enfoque é evidente em todo livro. Maquiavel declara que os dois principais fundamentos de governo são “boas leis” e “boas armas”. Acrescenta que a coerção cria a legalidade, e não vice-versa, ele irá ocupar-se somente da coerção. A lei e a força são os modos naturais de conduta dos homens e dos animais, e um príncipe deve ser sempre um centauro que possa combinar as duas. O príncipe deveria ser meio homem e meio animal, porém, com a força de um leão e a astúcia da raposa. O príncipe é forçado a saber agir como um animal. O temor é sempre preferível à afeição do súditos; a violência e a fraude sempre superiores como forma de controlá-los. O amor é um vínculo de obrigação que essas miseráveis criaturas rompem assim que lhes convém; ao passo que o temor os prende firmemente, pelo receio do castigo, que nunca se abandona.

Essas eram as normas domésticas utilizadas nas tiranias italianas. Maquiavel pouco percebia da imensa força histórica da legitimidade dinástica, na qual estavam as raízes do absolutismo emergente. O seu mundo era o dos aventureiros transitórios e dos tiranos arrivistas das signories da Itália e seu ponto de referência, César Bórgia. A sua teoria política, aparentemente tão moderna, padecia, de forma significativa, da ausência de um conceito sólido e objetivo de Estado. O príncipe poderia ser o senhor tanto de uma “república” como de um “principado”. Maquiavel tendia a reduzir a sua noção de Estado meramente à da propriedade passiva do príncipe enquanto indivíduo. Sua denúncia aos mercenários e a apologia da milícia urbana como único tipo de organização militar capaz de executar os projetos de um príncipe poderoso, que pudesse ser o fautor de uma nova Itália.

Para Maquiavel os mercenários eram a ruína que causara a fraqueza política italiana. Maquiavel era incapaz de identificar as causas sociais mais profundas dos acontecimentos que registrava, confiando à vã manipulação superficial dos fatos, utópica e mefistotélica.

Na Itália, ao contrário de outras regiões européias, produziu apenas uma “microabsolutismo”, pequenos principados que firmou as divisões do país. Esses Estado miniatura não estavam em condições de resistir às monarquias feudais vizinhas. Incapaz de produzir um absolutismo nacional internamente, a Itália estava condenada a sofrer o alheio, a partir de fora. França e Espanha tiveram disputas pelo controle da região. A consolidação do poder Habsburgo representou uma regressão econômica: a ruralização dos principados urbanos, que abandonaram as finanças e as manufaturas e investiram na terra. Somente com a monarquia piemontesca a responsável pela unificação nacional. O Piemonte tinha a base lógica para a unificação: um verdadeiro absolutismo nativo alicerçado numa nobreza feudal, em uma formação dominada pela servidão.

A posição geográfica foi fundamental, pois foi assim que os Sabóia mantiveram sua autonomia e pôde ampliar sua fronteiras, jogando umas contra as outras as potências européias da época. Em 1460, nas vésperas das invasões estrangeiras que poriam fim a Renascença, o Piemonte era o único Estado independente na Itália com um sistema de Estados influente, justamente por ser a formação social de caráter mais feudal da península.

Perry Anderson finaliza o capítulo informando que o absolutismo piemontês foi um dos mais bem sucedidos de sua época citando que em as duas outras experiências de pequenos Estados absolutistas (Nápoles e Portugal), esteve cronologicamente em atraso. Mas sob outros aspectos, o seu modelo foi estreitamente semelhante ao de seus mentores mais vastos. Sem dúvida o aparato militar aristocrático piemontês foi sua garantia de futuro.

Conclusão

Deixo como crítica o fato de que autor parece subestimar o poder ideológico desempenhado pela igreja romana neste período. Ao meu ver o Renascimento foi um movimento de ruptura ideológica, porém este movimento esteve sempre impregnado de elementos do imaginário medieval ditado pela igreja. A igreja romana viveu no período sua maior crise, os papas viviam como príncipes, porém, como disse o autor, estavam empobrecidos e com poder militar muito precário e dependente. Porém após o cativeiro de Avignon, os papas gozaram de grande prestígio junto aos signories, sendo a base de legitimação superestrutural destes tiranos, principalmente no caso do citado César Bórgia, que era filho de uma papa. Acredito que o poder ideológico da igreja foi mais importante do que o autor parece supor.

Síntese do capítulo “Itália” do livro:
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 143 - 172.


 

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