Quadro da coroação de Carlos Magno pelo papa Leão III, natal do ano 800.
História Livre - História Medieval - Império Carolíngio
O IMPÉRIO CAROLÍNGIO E A SÍNTESE FEUDAL
Marcos
Emílio Ekman Faber
Introdução
Com
a queda do Império Romano do Ocidente
em 476, a Europa passou a conviver com uma lacuna
no poder temporal, pois o poder político
fora fragmentado pelos reinos bárbaros
invasores ali instalados. Já a Igreja
manteve intacto seu poder espiritual e ideológico.
Conforme afirma Perry Anderson (2004, p. 89),
a igreja cristã passou a ser a única
ponte entre o mundo antigo e o mundo medieval,
a Igreja tornou-se a única instituição
da Antigüidade a manter-se intacta após
a queda de Roma. Foi a Igreja que manteve a
cultura e a lei romana preservada mesmo com
a queda do Império. É importante
que esta Igreja, como instituição,
já caminha em direção à
criação da Igreja Católica
Apostólica Romana, pois nesta época
como em nossos dias, esta Igreja tornara-se
muito mais uma instituição política
do que a verdadeira igreja surgida com os primeiros
apóstolos em Jerusalém.
Das
tribos bárbaras ao Império Carolíngio
O
crescente número de invasões bárbaras
e o avanço dos árabes muçulmanos,
fez com que a igreja medieval, agora temerosa
com esses invasores, buscasse um novo sistema
de governo capaz de reunificar a Europa ou de
um novo chefe de Estado capaz de reavivar o
Império Romano do Ocidente. Esta tentativa
de unificação ainda esbarrava
na falta de reis cristãos, pois as tribos
que se instalavam na Europa eram em sua maioria
pagãs ou convertidas à heresia
cristã do arianismo.
As
tribos germânicas que invadiram o Império
Romano eram basicamente tribos rurais e patriarcais
divididas em clãs de famílias.
Não tinham noções de Estado.
A base agrária era formada por camponeses
livres e a terra era coletiva, com raríssimas
exceções tinham escravos.
No
século V, Clóvis I (481-511) unificou
as tribos francas e instituiu o primeiro Estado
dos Francos. A Igreja Romana viu nesta unificação
a possibilidade de um aliado militar, já
que Clóvis buscava sustentação
ao seu governo e vê na igreja o poder
ideológico que lhe faltava. Igreja e
Clóvis aliam-se. A igreja unge Clóvis
como o primeiro rei cristão dos francos,
a união é oficializada com o batismo
do monarca e de seus oficiais.
Clóvis
fundou a Dinastia Merovíngia, nome em
homenagem ao seu avô Meroveu, que fora
um importante líder tribal franco.
Ao
morrer em 511, Clóvis, deixou como herdeiros
seus quatro filhos. Os filhos de Clóvis
dividiram o reino em quatro partes, cada um
deles governando um reino distinto. Esta divisão
causou o enfraquecimento político e militar
dos francos. O povo discordando das políticas
desses reis e por não ver neles nada
além de uma corte pomposa e sem efeitos
práticos, passou a chamá-los de
“reis vagabundos”.
A
inabilidade política dos descendentes
de Clóvis ocasionou a passagem do governo
às mãos dos Prefeitos de Palácio,
também conhecidos como Mordomos de Palácio,
eram esses prefeitos que de fato passaram a
governar, quase como num sistema de monarquia
parlamentarista.
Os
prefeitos palacianos governavam o Estado e o
exército. Com o descrédito dos
reis, passaram a receber o apoio do povo e dos
integrantes do exército.
O
principal destes mordomos palacianos foi Carlos
Martel (715-741), sua fama cresceu quando venceu
os visigodos em 711 e os árabes na batalha
de Poitiers em 732.
Carlos
Martel teve no exército os seus fiéis
seguidores e teve, também, a simpatia
do povo. Martel venceu diversas batalhas impedindo
às invasões árabes, os
árabes tentavam subir a Península
Ibérica em direção da Gália.
As conquistas de Martel garantiram aos Francos
uma grande quantidade de terras, terras que
Martel dividiu entre seus oficiais. Porém,
esta política de Carlos Martel entrou
em choque com a Igreja quando este tomou terras
outrora pertencentes à Igreja e as dividiu
entre seus fiéis seguidores. Quando morreu,
seu filho Pepino o Breve assumiu seu posto.
Pepino
contando com a simpatia do povo e do exército
aliou-se à Igreja romana, devolvendo-lhes
parte das terras confiscadas.
Pepino
percebendo a fragilidade dos reis merovíngios,
deu um golpe de Estado tomando o trono dos Francos.
Pepino reunificou-os em um só reino,
ampliou as fronteira de seu reino e expulsou
os Lombardos da Itália entregando essas
terras à Igreja. Igreja e Estado estavam
novamente unidos.
Pepino
deixou para seu filho, Carlos Magno, um grande
e próspero reino. Porém, este
reino era novamente ameaçado pelas invasões
árabes na Península Ibérica,
pelos vickings no Norte e pelos eslavos no Leste.
Carlos
Magno venceu os árabes, conteve o avanço
dos eslavos e expulsou os vickings da Gália.
Ao vencer os invasores, Carlos Magno reconquistou
a maior parte dos territórios do antigo
Império Romano do Ocidente.
Ao
ver a possibilidade de reavivar o Império
Romano, o papa Leão III, líder
da Igreja Romana na época, ungiu a Carlos
Magno como imperador do Sacro Império
Romano, esta celebração aconteceu
na data simbólica de 25 de dezembro de
800, ou seja, em pleno natal, a data mais sagrada
do cristianismo. Igreja e Estado estavam de
mãos dadas. A monarquia carolíngia
representava a mais efetiva realização
do sonho de renascimento do Império Romano
por parte da igreja medieval.
Carlos
Magno deu seqüência às distribuições
de terras aos seus oficiais e soldados de destaque.
Para garantir o apoio militar destes arrendatários,
Carlos Magno, os dava títulos de nobreza,
os nomeando Condes, cada qual responsável
por seu Condado, com isso Carlos Magno fortaleceu
uma nobreza proprietária e militarizada,
que pouco a pouco foi tornando-se autônoma.
Para
conter as invasões estrangeiras, Carlos
Magno criou nas regiões fronteiriças
do império, as Marcas, os governantes
das Marcas eram os marqueses. Essa medida trouxe
bons resultados imediatos, porém com
o tempo esses marqueses passaram a usufruir
de uma grande influência política
nas regiões em que ocupavam, logo tornando-se
auto-sustentáveis.
Conclusão
Com
a regionalização do poder e a
criação de uma poderosa nobreza
foram dados os passos decisivos para o surgimento
do feudalismo, como de fato ocorreu após
a morte de Carlos Magno em 814.
"A
época da morte de Carlos Magno, as instituições
centrais do feudalismo já estavam presentes,
sob o dossel de um Império centralizado
pseudo-romano. Na verdade, logo tornou-se claro
que a rápida disseminação
dos benefícios e a crescente possibilidade
de hereditariedade tendiam a minar por baixo
todo o canhestro aparato do Estado carolíngio.
(...) A unidade interna logo desmoronou, entre
guerras civis de sucessão e a crescente
regionalização da aristocracia
que o mantivera coeso". (ANDERSON, 2004,p.
136).
Já
o problema da mão de obra foi resolvido
com o progressivo processo de transformação
dos trabalhadores livres em servos. A nobreza
carolíngia adotou o sistema de servidão
forçando os trabalhadores a submeterem-se
a um sistema onde ficavam presos a terra que
cultivavam. Foram lançados os alicerces
do sistema feudal que dominaria o cenário
europeu dos próximos séculos.
O
feudalismo foi, portanto, o resultado da síntese
cultural, econômica e política
da associação do poder administrativo
Carolíngio, e sua fragmentação,
e do poder ideológico da Igreja Romana.
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