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Mapa estilizado da América Latina.

História Livre - História Contemporânea - História da América

OS ESTADOS OLIGÁRQUICOS NA AMÉRICA LATINA

Marcos Emílio Ekman Faber

Introdução

Em meados do século XIX, a maior parte dos países latino-americanos não havia instaurado uma ordem política estável. Oliver Dabéne (2003, p. 7) defende que a ruptura com a Espanha seguia gerando amplas repercussões, pois os caudilhos haviam ocupado o vazio político deixado pela desorganização administrativa. Baquero (2000, p. 54) complementa afirmando que “a História tem mostrado que qualquer sociedade, na busca do estabelecimento de um governo legítimo, deve ser guiada por razões de progresso social, econômico e político”, porém, na ausência do primeiro elemento, a instabilidade política passa a ser a norma, independente dos partidos políticos (BAQUERO, 2000). Esta instabilidade gerou na lacuna de poder ocupada pelos caudilhos. A dominação dos caudilhos se traduziu em um sistema de dominação: o caudilhismo (DABÉNE, 2003).

É neste período que os países da América Latina vão se abrir para o mundo moderno. A revolução dos transportes marinhos faz com que a América Latina se convertesse em uma fonte importante de produtos básicos ao mundo industrializado. A dependência econômica e financeira tomou outra dimensão no final do século XIX. As conseqüências políticas foram importantes. A evolução do pan-americanismo levou ao crescimento do poder dos EUA e da debilidade dos países latino-americanos.

Durante o período 1870 – 1880 poucos eram os países da América Latina com estabilidade política. O positivismo inspirava a ação dos numerosos governos, porém, seus métodos variavam de um autoritarismo ilustrado até a ditadura brutal. Exceção ao Chile e a Costa Rica que conseguiam uma certa estabilidade democrática (DABÉNE, 2003). Os demais enfrentavam um processo caótico de construção do Estado, pois o caudilhismo estancava o florescimento dos ideais liberais e democráticos. A grande propriedade mantinha-se como o motor econômico dos países da América Latina, sendo o modelo de organização social e político, este modelo se reproduzia no nível de governo estatal.

Mas foi a partir de 1880 que chegou ao ápice o processo de dominação das oligarquias regionais, pondo fim ao domínio dos caudilhos. Iniciando o processo de reconstrução do Estado e de unificação nacional. Porém, este processo foi bastante lento e difícil, com consideráveis diferenças em cada um dos casos.

É importante entendermos que o processo de modernização econômica da América Latina teve origem externa. O crescimento das economias dos EUA e da Europa demandaram uma grande quantidade de matérias primas que abundavam nos países latino-americanos. Os países que mais rápido haviam estabilizado suas economias saíram na frente para atender tais demandas. Casos do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e México. Os investimentos para a modernização destes países vinham com bastante entusiasmo do exterior. Uma ordem oligárquica estável estava em marcha (DABÉNE, 2003). Esta incorporação dos países da América Latina atendia a divisão internacional do trabalho, onde cada país se especializou num determinado produto visando a exportação.

Os camponeses latino-americanos foram definitivamente integrados à economia de mercado a partir da expansão do setor primário-exportador, mas em perspectiva histórica mais ampla sempre estiveram na condição de classe subalterna (WASSERMAN, 1992). Apesar do avanço capitalista no campo, os camponeses mantinham viva a memória da comunidade, transformada desde a conquista. Esta memória de um passado muitas vezes idealizado iria ditar os movimentos populares antioligárquicos do período.

Apogeu do Estado Oligárquico

Cláudia Wasserman (1992, p.19) define o Estado Oligárquico como a expressão político-administrativa de um modelo econômico de acumulação capitalista via setor primário-exportador. Sendo as principais características políticas destes Estados Oligárquicos:

  • A hipertrofia do aparato repressivo do Estado;
  • A exclusão da maioria da população dos órgãos de decisão;
  • A eliminação dos elementos democráticos-burgueses que se levantassem como alternativa progressista do desenvolvimento do capitalismo;
  • A intervenção política direta ou indireta do capital monopólico imperialista;
  • Representavam apenas os interesses do setor primário da economia e dos agentes do capital monopólico.

Esta modalidade de dominação combinava elementos liberais à essência autoritária. As relações com o exterior deveriam estabelecer um liberalismo formal que atendia as exigências culturais metropolitanas. Internamente, os governantes reproduziam a imagem do fazendeiro em dimensões nacionais e se sobrepunham a escravos, peões, mestiços, índios, negros, mulatos e brancos pobres (WASSERMAN, 1992).

As formas coercitivas, violentas, utilizadas para manter o poder oligárquico em países onde se implantou o modo de produção capitalista, asseguravam a extração de mais-valia absoluta: aumento ilimitado da jornada de trabalho e extensão do latifúndio (WASSERMAN, 1992, p. 22). Mesmo que boa parte do excedente econômico parasse nas mãos da burguesia internacional, o período foi de grande prosperidade para o setor primário exportador, pois houve um considerável aumento das exportações do café, dos cereais, da cana-de-açúcar, das frutas, da lã, de metais preciosos, etc.

Cláudia Wasserman (1992) classifica os Estados Oligárquicos em três tipos: os países do caso 1, onde a economia se desenvolvia e se diversificava, com mão-de-obra assalariada imigrante e desenvolvendo cedo uma indústria; os países de caso 2, que eram bastante dependentes do mercado externo, utilizavam predominantemente a mão-de-obra escrava e eram monocultores; e os países de caso 3, economias de tipo enclave, onde uma empresa privada se estabelecia e explorava as reservas naturais do país. Abaixo analisamos cada um dos casos.

Economias de tipo 1. A pecuária desenvolveu-se com maior importância na Argentina e no Uruguai. Esta atividade era complementada com o cultivo de cereais. Nestes países as exportações cresceram enormemente. Tanto a cultura de cereais quanto a pecuária recebiam investimentos do Estado, dos próprios latifundiários e do capital internacional.

O precoce cercamento dos campos, a imigração, implantação do trabalho assalariado, diversificação econômica (cereais e produtos derivados do gado), seleção de rebanhos e difusão de frigoríficos, foram elementos importantes que contribuíam para a acumulação capitalista das oligarquias uruguaia e Argentina. Porém, o predomínio das empresas estrangeiras em alguns setores fundamentais da economia (frigoríficos e infra-estrutura de transportes e comunicação) provocava problemas e também ressentimentos devido a dependência em relação às crises do mercado internacional.

No Chile, surgiu uma classe dominante, extremamente rica devido à exploração de salistre e cobre. Apesar da dominação inglesa sobre a mineração, a burguesia local ligada à exploração de minérios, ao comércio de exportações e aos negócios bancários, conseguia deixar para trás o país do trigo e das peles. A oligarquia tradicional constituía com esta burguesia o bloco que detinha o poder, acumulando capitais para o desenvolvimento econômico e político nos setores interessantes a estes grupos.

O predomínio da Inglaterra em algumas atividades fundamentais destes três países não impediu que estes obtivessem algum êxito na tentativa de desenvolvimento das forças produtivas. Pois a Inglaterra não tinha o interesse de controlar o aparato produtivo e sim o comércio exterior. Nestes países (Chile, Argentina e Uruguai) a mão-de-obra era formada por imigrantes europeus, prevalecendo o trabalho assalariado.

Portanto, quando a acumulação capitalista começava na maioria dos países da AL, na Argentina, Uruguai e Chile o processo já estava em fase de consolidação e ampliação. Estes três países apesar da dependência do mercado externo já constituíam um mercado interno capaz de desencadear a industrialização.

México e Brasil também se enquadravam no caso 1.

Economias de tipo 2. Os países de cultivo de gêneros tropicais, como a cana-de-açúcar, transformaram-se em imensas regiões de plantações monopolizadas por empresas estadunidenses, onde os cultivos de subsistência tornaram-se escassos e o produtor direto perdeu a autonomia.

A grande prosperidade do período não foi acompanhada de um crescimento proporcional das forças produtivas nos países de cultivos tropicais. A agroexportação foi a primeira etapa do desenvolvimento capitalista. Mas ela se constituiu a partir da grande propriedade senhorial, de técnicas rudimentares e impregnadas de relações de produção pré-capitalistas.

Os países que se enquadravam neste tipo/caso eram: Cuba, Porto Rico e Peru que tinham suas economias voltadas à monocultura do cultivo da cana-de-açúcar; o Equador com o cacau; a Costa Rica, El Salvador, Colômbia, Venezuela, Guatemala e México com o café, sendo que o México se enquadrava em mais de um tipo/caso.

Neste sentido, o enriquecimento das oligarquias e a própria acumulação capitalista foram acompanhadas por um atraso visível no desenvolvimento das forças produtivas e grandes dificuldades no processo de diversificação econômica.

A lenta urbanização e o demorado desenvolvimento de um mercado interno provocado pelas relações pré-capitalistas de trabalho, associado às relações de dependência, não impediam o aparecimento de novas classes vinculadas ao processo de acumulação capitalista.

Os setores médios, uma incipiente burguesia industrial, o pequeno proletariado e as massas de camponeses manifestaram-se contra a modalidade oligárquico-dependente, contra os próprios obstáculos ao desenvolvimento da sociedade burguesa.

Economias tipo 3. Países latino-americanos de acúmulo de capital de tipo enclave.

O cultivo de bananas no Caribe e na América Central se caracterizava pelo domínio de empresas internacionais. United Fruit possuía uma gama variada de atividades, além da produção de bananas: ferrovias, empresas de navegação, comunicações, eletricidade, plantações, etc. Os trabalhadores era arregimentados localmente ou eram oriundos da Jamaica e recebiam salários até três vezes mais altos em relação ao resto do país.

As empresas tinham completa autonomia: sistema de transportes, escolas, hospitais, sistema de comunicação e comissariado.

O cultivo de bananas através da United Fruit Company era um enclave econômico que, apesar de não se relacionar com as atividades econômicas nacionais, produzia efeitos devastadores nos âmbitos social, político e econômico. Politicamente, estas empresas transformaram-se em interlocutores dos governos centro-americanos e caribenhos, para proteger de maneira global o capital estrangeiro. Produziam uma grande desigualdade entre os trabalhadores locais e os do enclave.

A economia dos países submetidos aos enclaves eram totalmente débeis frente às oscilações do mercado mundial. Em caso de pragas ou crises, regiões inteiras podiam ser abandonadas pelas empresas exploradoras provocando desemprego e miséria.

O Imperialismo Estadunidense na América Latina

No início do século XX, existiam duas Américas Latinas, uma no Sul que parecia ter encontrado a fórmula da estabilidade política, propiciando o desenvolvimento econômico e à modernização, porém, ainda ligada à Inglaterra. E uma América Latina no Norte, onde o domínio imperialista estadunidense se fazia presente (DABÉNE, 2003).

Boersner (1987, p. 219) afirma que os EUA iniciam sua política imperialista a partir da Doutrina Monroe (1823), mas somente desbancam a Inglaterra como potência hegemônica imperialista na década de 1890. Esta mudança no controle se acentuou com os presidentes Roosevelt e Taft que aplicaram políticas externas baseadas no Darwinismo Social, ou seja, pregavam que os EUA estavam vocacionados à tarefa de cumprir uma “missão civilizadora” junto aos povos da América Latina. “Deve-se entender a emergência da ideologia imperialista nos Estados Unidos como resultado lógico da competição entre as nações européias pela posse de colônias“ (SCHILLING, 2002, p. 28) o que caracterizou os anos que antecederam a I Guerra Mundial.

Com a Diplomacia do Dólar, os Estados Unidos demonstram sua preocupação com a defesa de seus interesses econômicos na região e muitos países da América Central tornam-se protetorados financeiros estadunidenses. Essas políticas iriam se tornar prática comum na intervenção e na dominação do imperialismo dos EUA no Caribe (exemplo: o Canal do Panamá).

Após a I Guerra Mundial “la hegemonia económica de los Estados Unidos sobre a América Latina fue completa e incuestionable” (BOERSNER, 1987, p. 218). Os EUA haviam se tomado os banqueiros do mundo e credores de todas as nações. Os métodos de dominação estadunidenses tiveram um caráter militar e brutal, e assim foi até 1917, quando se torna menos violenta e mais indireta (BOERSNER, 1987, p.166). Os EUA continuaram sua política intervencionista na América Latina até 1932, em 1933, Franklin Roosevelt assume a presidência dos EUA criando a Política da Boa Vizinhança, modificando consideravelmente a política externa do país (SCHILLING, 2002, P. 57).

A Crise do Estado Oligárquico

O processo de crise das oligarquias constituiu-se de grandiosas manifestações contrárias ao autoritarismo, ao monopólio da economia, à monocultura, à dependência em relação aos centros industriais e contra a falta de desenvolvimento econômico. Cláudia Wasserman (1992, p. 19) afirma que os governos oligárquicos reforçavam estas contrariedades, pois durante todo este período representavam apenas os interesses do setor primário da economia e dos agentes do imperialismo monopólico.

Na virada do século, a sociedade latino-americana passa a sofrer grandes mudanças ocasionadas pela urbanização e pelo desenvolvimento econômico. Surgem novas demandas que fazem emergir uma indústria de beneficiamento de produtos primários e uma indústria de produção de bens de consumo para trabalhadores. Estas transformações ocasionam no surgimento de uma pequena burguesia industrial (WASSERMAN, p. 31).

Apesar do desenvolvimento industrial ter ocorrido dependente do acúmulo de capitais das oligarquias. A burguesia industrial que se desenvolvia passou a apoiar um projeto de desenvolvimento do capitalismo alternativo à modalidade oligárquica. Pois desejavam participar das decisões da política econômica, promover o desenvolvimento industrial e modificar os termos do vínculo com o capital monopólico, “para que sua influência não impedisse a acumulação capitalista via crescimento do mercado interno”. (WASSERMAN, 2000, p. 33). Essas exigências davam clara demonstração do esgotamento das explicações positivistas.

Por outro lado, o proletariado começava a se organizar, inicialmente influenciado pelo anarco-sindicalismo europeu e, posteriormente, pela Revolução Russa gerando violentos protestos contra a ordem oligárquica (DABÉNE, 2003).

A burguesia industrial, o proletariado e os setores médios urbanos passaram a questionar os obstáculos ao desenvolvimento interno criados pelo sistema oligárquico dependente (WASSERMAN, p. 27). Questionavam o modelo econômico baseado no setor primário de relações pré-capitalistas. Estas novas demandas impulsionaram os levantes estudantis na Argentina e no Chile, a Revolução Mexicana, o tenentismo brasileiro e o movimento muralista, pós-Revolução Mexicana.

O surgimento e o fortalecimento destas classes anti-oligárquicas associadas às crises mundiais – Primeira Guerra Mundial, Crise de 1929 – levaram a oscilação dos preços dos produtos primários, levando à desagregação dos governos oligárquicos que gradualmente foram perdendo força.

“Nem todos os países latino-americanos saíram do Estado Oligárquico neste período, (...) mas todos foram submetidos à protestos importantes das classes anti-oligárquicas e à crise econômica do modelo primário-exportador” (WASSERMAN, p. 43).


 

Referências Bibliográficas

BAQUERO, Marcelo. A vulnerabilidade dos partidos políticos e a crise da democracia na América Latina. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

BOERSNER, Demetrio. Relaciones internacionales de America Latina. Caracas: Editorial Nueva Sociedade, 1995.

DABÉNE, Oliver. América Latina no Século XX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

SCHILLING, Voltaire. Estados Unidos e América Latina: da Doutrina Monroe à ALCA. 5a.Ed. Porto Alegre: Leitura XXI, 2002.

WASSERMAN, Cláudia. História contemporânea da América Latina 1900-1930. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1992.

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