
História Livre - História Brasil - Golpe Militar / História da Igreja
TEOLOGIA
DA LIBERTAÇÃO: RESISTÊNCIA
INTELECTUAL NOS ANOS DE CHUMBO
Marcos
Emílio Ekman Faber,
Giovana Inácio dos Santos e
Josiel Eilers Goulart
Resumo
Este
artigo procura analisar o surgimento e o desenvolvimento
da Teologia da Libertação no Brasil,
assim como a forma com que esta se infiltrou
na sociedade brasileira, ou seja, através
das Comunidades Eclesiásticas de Base.
Nossa análise parte da leitura comparada
da bibliografia histórica e teológica
disponível sobre a temática e
sobre os principais teóricos da libertação.
Nossa hipótese é a de que durante
o período de ditadura civil-militar brasileira
(1964-1985), a Teologia da Libertação
passou a ser a representante máxima da
mobilização popular contra o regime,
participando da formação do pensamento
de esquerda nacional que surgiria após
o regime.
Palavras-chave: Teologia da
Libertação. Igreja Católica
no Brasil. Ditadura Civil-Militar no Brasil.
Introdução
Perry
Anderson em seu livro Passagens da Antiguidade
ao Feudalismo (2004, pp. 123-137) afirmou que
a Igreja Cristã foi a única instituição
romana que se manteve preservada após
a ruína do Império Romano do Ocidente,
sendo a Igreja fundamental no processo de síntese
iniciado com o contato da cultura bárbara
e cultura romana preservada pela Igreja. Nossa
análise aqui apresentada na forma deste
artigo parte de uma interpretação
semelhante, pois temos por hipótese principal
que após o Golpe de Estado de 1º
de abril de 1964 – e a conseqüente e progressiva
perseguição aos opositores do
novo sistema – a esquerda brasileira foi calada,
ao menos de expressar-se nos meios acadêmicos
e, principalmente, na mídia. Porém,
parte da Igreja do período passou a carregar
o bastião da oposição ao
novo sistema, pois alguns líderes e intelectuais
vinculados a Igreja tiveram a oportunidade e
o espaço de se colocarem como opositores
do regime ditatorial sem que sofressem com a
censura da época. Foi dentro deste contexto
que penetrou no Brasil a Teologia da Libertação.
Dentro desta perspectiva é importante
conhecermos o contexto de desenvolvimento do
catolicismo em nosso país. Pois, a Igreja
Católica Apostólica Romana chegou
ao Brasil ainda durante o período colonial.
Esta Igreja que veio para o Brasil era uma igreja
muito mais próxima de representar os
interesses do rei português do que os
interesses do papa, pois, no século XVI
vigorava o regime de patronato onde o rei de
Portugal era o representante papal em suas terras,
ou seja, vigorava mais os ideais do Estado português
em suas colônias do que os interesses
do Vaticano (HOORNAERT, 1982). Todo o período
colonial brasileiro foi caracterizado dentro
desta perspectiva e o período imperial
esteve sob esta influência. Somente com
a República, o país tornou-se
um país realmente laico, porém
a influência do catolicismo sempre sendo
sentida. Somente houve transformações
na Igreja Católica do Brasil após
o Concílio Vaticano II (1962-1965) exatamente
no período em que iniciou o regime civil-militar
no país. É exatamente dentro deste
contexto que escrevemos este artigo.
Resistência Intelectual nos Anos
de Chumbo
O Golpe de 1º de abril iniciou com cassação
de cem pessoas, faziam parte dos cassados ex-presidentes,
políticos, sindicalistas e intelectuais
brasileiros. Porém, passado o surto inicial
de repressão, houve um período
de razoável liberdade. Os dois primeiro
presidentes militares deram relativa liberdade
à imprensa, à cultura e ao meio
acadêmico (ALMEIDA, 1998, p. 328). Um
exemplo disso está no fato de Caio Prado
Jr. ter lançado seu livro “A Revolução
Brasileira”, em 1966, sem que fosse confrontado
pela censura.
Esta relativa liberdade durou pouco, pois, em
1968, o governo militar lançou o Ato
Institucional número 5, o AI-5, fechando
o Congresso Nacional e iniciando uma segunda
onda de cassações de mandatos
e suspensão de direitos políticos,
estabelecendo a censura à imprensa e
às produções culturais
(ALMEIDA, 1998, p. 332). A partir desse fato,
a imprensa e toda a literatura escrita tiveram,
obrigatoriamente, de passar pela aprovação
dos censores.
Já a Igreja Católica Apostólica
Romana inicialmente saudou o golpe – a cúpula
católica brasileira via em João
Goulart um líder imaturo que permitiria
o avanço comunista no país. Mas
a repressão que se seguiu, inclusive
contra militares católicos, forneceu
os primeiros sinais de que a aliança
entre Igreja e Estado estava se deteriorando
(SERBIN, 2007, p. 17).
Os autores Maria Hermínia Tavares de
Almeida e Luiz Weiss no artigo “Carro-Zero e
Pau-de-Arara...” (1998) afirmam que a repressão
tornou-se tão forte que os advogados
dos presos políticos sofriam pressão
para que se calassem. Também relatam
que a censura tornou-se tão irracional
que deixou de ser uma censura política
para impor-se como uma censura de costumes,
ou seja:
"Se
vetava tudo aquilo que aos olhos dos militares
e de seus aliados civis pareciam atentar contra
os valores da ‘civilização cristã
ocidental’, ameaçada de maneira simultânea
e sincronizada pelo movimento comunista internacional
e pela chamada revolução nos costumes."
(ALMEIDA, 1998, p. 342)
A Igreja Católica oficial mantinha-se
em apoio ao regime civil-militar e suas ações,
principalmente com relação à
censura de costumes e no combate ao comunismo.
O cardeal-arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente
Scherer, deu sua benção à
censura prévia de publicações
principalmente aquilo que consideravam “abusos
de prazeres sexuais” (ALMEIDA, 1998, p. 342).
Porém, o grande problema deste apoio
católico à censura é que
ele ajudava a legitimar tais práticas
pelos ditadores.
A perseguição e as cassações
acabaram por limitar o poder de ação
e de expressão da mídia brasileira.
Hoje é sabido que a grande mídia
e alguns os setores da mídia impressa
da época se beneficiam com o regime ditatorial,
porém é nítida a limitação
a que estavam sujeitos. Os jornalistas que se
mantinham na oposição eram calados
por seus próprios patrões que
ou estavam temerosos pela repressão ou,
simplesmente, havia aderido às políticas
do novo regime.
Este fato acabou por alienar grandes setores
da intelectualidade brasileira. Os jornalistas
por estarem sujeitos às empresas que
lhes empregava e aos censores representantes
do governo. Já a intelectualidade que
comumente se manifestava através da produção
literária, pelo teatro ou pelo cinema,
estava amordaçada pelo governo.
Porém, enquanto a alta cúpula
da Igreja Católica no Brasil apoiava
o governo civil-militar, a Teologia da Libertação
tinha seu surgimento a partir da realização
do Concílio Vaticano II (1962-1965) se
firmando após a Conferência Geral
do Episcopado Latino-Americano (1968), realizado
na Colômbia, neste concílio a Teologia
da Libertação foi caracterizada
como a ideologia cristã apropriada para
a realidade latino-americana da época
fazendo que parte dos sacerdotes e bispos se
aproximasse dos trabalhadores urbanos e rurais
em um programa de assistência e de conscientização,
assim, foram criadas as bases que possibilitaram
aos teólogos da época a afastarem-se
de uma teologia eurocêntrica e passassem
a realizar uma teologia a partir da realidade
em que estavam inseridos. Em 1971, Gustavo Gutiérrez
publica o livro “A Teologia da Libertação”,
ao mesmo tempo batizava a nova teologia e criava
as bases práticas desta (BOFF, 2001).
Neste mesmo ano, a Teologia da Libertação
chegou ao Brasil com o frei Leonardo Boff que
publicou o livro Jesus Cristo Libertador (1971).
Na introdução da 19ª edição,
Boff explica os motivos que o levaram a escolher
o nome da obra,
"Os
anos de 1960-1970 se caracterizaram pela mobilização
popular e pela emergência de uma poderosa
vontade de mudança social. Não
bastavam as reformas. Queria-se uma libertação
das opressões históricas que as
grandes maiorias secularmente sofreram. Muitos
cristãos, inspirados pelo evangelho,
comprometeram-se em meios pobres num processo
de conscientização e de prática
que criava os primeiros acenos de uma sociedade
alternativa possível. Sobre todos os
que se empenhavam por sacudir as antigas amarras,
abateu-se feroz repressão por parte do
Estado de Segurança Nacional e de seus
aliados. A palavra libertação
fora oficialmente banida dos meios de comunicação
social por efeito de um decreto do ministério
da Justiça. Num contexto de vigilância
policial, de seqüestros, torturas e assassinatos
políticos foi escrito Jesus Cristo Libertador."
(BOFF, 2008, p. 13).
Porém, é importante ressaltar
que a Teologia da Libertação não
surgiu como simples teoria, mas como uma teoria
orientada para a prática. Teologicamente
a Teologia da Libertação fez uma
análise histórica e social da
realidade em que a comunidade está inserida,
porém, sem abandonar seu caráter
cristocêntrico, ou seja, apesar da análise
ser feita a partir da realidade dos pobres,
seu caráter é cristão e
centrado na figura e nos ensinos de Jesus Cristo.
"Alguns religiosos inicialmente conservadores
sofreram um processo de transformação
e aderiram à Teologia da Libertação,
como D. Cardeal Paulo Evaristo Arns, em São
Paulo, que foi o principal defensor dos Direitos
Humanos no Brasil durante a ditadura militar
e reconhecido internacionalmente por sua ação."
(JURKEVICS, 2005, p. 3)
Como se percebe na passagem acima, bispos católicos
foram de fundamental importância no processo
de engajamento de setores da Igreja nos movimentos
de resistência social. Mas a grande maioria
dos adeptos da Teologia da Libertação
se dá no âmbito dos leigos, dos
militantes das mais variadas pastorais. A Teologia
da Libertação ao longo do processo
se apropria de instrumentos da sociologia e
da história para encontrar os motivos
da pobreza no Brasil e na América Latina.
Uma das conclusões encontradas foi a
de que o grande culpado pela exploração
foi, inicialmente a empresa colonial e, depois,
pelo capitalismo que exporta a pobreza dos países
centrais para a periferia. Com isso, a Teologia
da Libertação começa a
se aproximar das teorias marxistas. Na leitura
marxista surgida nos anos 1960, a luta de classes,
o motor da história, não se restringia
à esfera estrutural, em categorias estáticas
de proletariado e burguesia, como entendia o
marxismo ortodoxo. A luta de classes, para esse
novo grupo, permeava todas as relações
humanas socialmente construídas: as relações
de gênero, as relações étnicas
e a religião com suas instituições.
"Essa afirmação, de que as
relações de classe permeiam as
relações religiosas, de que a
lógica da concentração
dos meios de produção privilegiando
sua classe dominante se aplica também
à religião, com sua máquina
de produção eclesial privilegiando
sua classe hegemônica." (BOFF, 1982,
p. 70)
Portanto, estas afirmações desencadearam
um longo processo de reflexão sobre toda
a produção eclesial da história
da Igreja. No seio da eclesial romano passou-se
a compreender o caráter de classe e,
por conseguinte, questionar essas premissas
organizacionais e dogmas da Igreja oficial.
O papel do marxismo utilizado na Teologia da
Libertação pode ser exemplificado
no trecho abaixo:
"O
uso do marxismo na Teologia da Libertação
possui fundamentação histórica
e epistemológica. A primeira refere-se
à ligação existente entre
marxistas e cristãos na América
Latina no bojo das lutas populares no confronto
com os regimes totalitários que cometerem
violência e opressão. A segunda
diz respeito a necessidade de toda teologia
de utilizar um determinada mediação
filosófica ou científica. A Teologia
da Libertação não se apropriou
do marxismo materialista dialético que
absolutiza a matéria e nega a misericórdia
de Deus. A influência de Marx no complexo
teológico libertador é a de um
Marx humanista, não dogmático,
enquanto crítico social que ajuda a analisar
com profundidade a sociedade para poder transformá-la
e, no caso da interpretação cristã,
de acordo com valores da fé." (GONÇALVES,
2000, p. 153-154)
Portanto, Marx tem presença garantida
na Teologia da Libertação, não
enquanto projeto político de um socialismo
científico ou de uma filosofia da história
que caminha ao comunismo, mas como método
da dialética na interpretação
histórica, ou seja, a utilização
do instrumental marxista para compreender as
causas da pobreza, as contradições
do capitalismo e as formas da luta de classes.
Segundo Marx, a religião serve de aparelho
ideológico de legitimação
dos poderes dominantes. A religião cristã
insere-se nesse ponto de vista. Mas sem resposta
a esta situação, quando o povo
enxerga contradições entre a sua
fé e as propostas políticas apresentadas
ou vigentes, ocorrem movimentos de retração
e de suspeitas. Assim sendo, a dimensão
libertadora da religião vem à
tona, o que o povo de certo tipo de visão,
que oculta as práticas contraditórias
na sociedade. Finalmente, com o reconhecimento,
pelo povo, da realidade social em que estão
inseridos, ocorre uma movimentação
no sentido de libertarem-se de suas carências
e reivindicarem seus interesses. Leonardo Boff
ressalta que a libertação integral
tinha que passar pelas libertações
histórico-sociais, sem as quais não
escaparia da alienação e do espiritualismo
irracional e idólatra (BOFF, 1996).
No Brasil, a forma encontrada para propagar
estas idéias foram as Comunidades Eclesiásticas
de Base (CEBs) que tinham como objetivo buscar
transformar a realidade de determinadas pessoas
e suas respectivas comunidades. Os meios de
realização deste propósito
eram as organizações de mães,
os grupos de estudos bíblicos e outras
organizações de cunho pastoral,
todas essas iniciativas buscavam resolver problemas
em conjunto, tendo seu caráter social
transformador que ia de encontro ao regime político
instalado no país (CALDART, 2000).
A década de 1960 foi, para a Teologia
da Libertação e as CEBs, a época
da gênese de suas esperanças de
transformação da realidade. O
enfrentamento dos movimentos populares com as
forças de repressão do regime
foi desigual. O martírio, visto como
sinal da “fé verdadeira” foi refletido
nas bases como um retorno ao cristianismo antigo.
Foi nas comunidades de base que o desenvolvimento
pleno da Teologia da Libertação
tornou-se possível. Sem elas, a experiência,
ou seja, a prática, de uma “igreja dos
pobres” não seria possível. Mesmo
com as divergências, por parte de historiadores
e estudiosos, sobre a existência de uma
igreja realmente comprometida com as bases,
as experiências de CEBs em todo o país
modificaram a paisagem do catolicismo. Uma parcela
da Igreja se identificava com os pobres e incentivava
uma vivência, entre eles. Essas experiências
marcaram uma geração de teólogos,
leigos, religiosos e bispos. Para isso, as CEBs
proporcionaram o ambiente adequado para a experimentação
dessa outra vivência da fé. Essa
compreensão do Evangelho e da fé
cristã foi repassada às bases,
discutida e aprofundada pelos seus partidários
e, criticada e atacada pelos seus opositores.
A década de 1970 consolidou a existência
da nova maneira de se produzir teologia na América
Latina. Também consolidou as ditaduras,
aumentando a violência institucionalizada.
A dependência econômica do Brasil
tornou-se mais forte, com o aumento dos empréstimos
feitos pelos governos militares no exterior,
criando um falso “milagre brasileiro”. O custo
de vida era insustentável nas grandes
cidades. Neste período aumentaram as
publicações a respeito da Teologia
da Libertação e as CEBs fortaleceram-se.
A exegese bíblica começou a ser
feita de maneira a valorizar as lutas populares.
O método utilizado nas reuniões
das CEBs para o conhecimento da realidade e
planejamento de suas ações envolvia
três momentos: ver – a realidade, levantar
dados sobre a situação do bairro,
ou sociedade como um todo; julgar – a partir
dos dados levantados, fazer uma crítica
com ajuda da Bíblia, e das ciências
sociais; e, por último, agir – planejar
e executar ações coletivas que
poderiam alterar a realidade (LIBANIO, 2007,
p. 48-49).
As Comunidades Eclesiásticas da região
rural passaram a desenvolver um importante papel
de aglutinação e conscientização
popular, o caso mais significativo teve inicio
com os movimentos da CEBs no interior do país
e sua aproximação junto ao Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
"Um primeiro fator ou elemento foi o trabalho
pastoral que vinha sendo realizado junto à
população do campo através
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) [...]
Este trabalho foi ainda mais fortalecido com
o surgimento da Comissão Pastoral Trabalhadora
(CPT), em 1975, que, trabalhando em conjunto
com as paróquias nas periferias das cidades
e com as comunidades rurais, passou a contribuir
na organização e na luta dos trabalhadores."
(CALDART, 2000, p. 70)
Os ideais básicos analisados, de primeiro
momento no artigo mostra essa possível
relação da terra com o movimento.
O mais interessante é que como analisa
Caldart (2000) essa relação tem
força no movimento da CEBs acompanhada
das dificuldades que a região centro-sul
do país estava enfrentando, povos de
arrendatários buscando melhorias de vida
no trato da terra, buscavam num primeiro momento,
motivados pela Teologia da Libertação
reivindicações possíveis
e que tinham construção dentro
de um movimento de comunidade e vínculo
cristão.
"Estes movimentos refletiram não
só os efeitos do crescimento caótico
das cidades, o sufocamento da participação
e do debate políticos e a piora das condições
e de trabalho da população [...]
O mundo do bairro havia deixado de ser apenas
o lugar onde as pessoas moravam, para ser o
lugar onde elas também viviam, se encontravam,
conversavam, desenvolviam relações
de união e solidariedade, e onde acumulavam
experiências de vivência comunitária
e de resistência coletiva." (HABERT,
1992, p.55)
Na análise feita no campo de atuação
das CEBs no meio rural, sofre uma forte influência
da mesma tendo como parâmetro o surgimento
das Pastorais da Terra (CPT) e posteriormente
o MST que trabalhado dentro desse contexto regional
passa para uma nacionalização
sendo visto como um dos maiores movimentos sociais
organizados do mundo (CALDART, 2000).
Além disso, o próprio Partido
dos Trabalhadores (PT) não se explica
sem significativa presença da Teologia
da Libertação (LIBANIO, 2007,
p. 49).
"A
Teologia da Libertação desbloqueou
os cristãos para o compromisso social
radical em nome da fé mostrando que o
maior problema da fé na América
Latina não estava em questões
dogmáticas, mas em como enfrentar à
sua luz a situação de opressão,
de exploração das grandes massas
populares. Os cristãos podiam, portanto,
engajar-se no processo de libertação,
motivados e iluminados pela fé. Não
precisavam temer nenhuma contradição
fundamental entre ela e a luta libertadora dos
pobres." (LIBANIO, 2007, p. 49)
Foi, portanto, através do engajamento
social e político que a Teologia da Libertação
e seus teóticos-teólogos encontraram
um meio de resitência ao sistema político
imposto pela ditadura civil-militar no país.
Conclusão
A Teologia da Libertação foi fundamental
no processo de conscientização
das populações marginalizadas,
os teólogos da libertação,
ao apoiarem as populações carentes,
possibilitaram que estas se organizassem através
de formas "alternativas" de protestos
e reivindicações, lutando por
melhores condições de vida, alterando
sutilmente, as mais duras formas de censura
e repressão impostas pela ditadura. Neste
sentido, o apoio das Comunidades Eclesiásticas
de Base (CEBs) foi capital sobre três
planos: simbólico, político e
material. No plano simbólico ela legitimou
e deu razão aos movimentos anti-ditatoriais;
sobre o plano político ela protegeu e
abrigou os perseguidos da ditadura e; sobre
o plano material ela forneceu as condições
técnicas e ideológicas, tais como
pessoal tecnicamente e intelectualmente preparadas
para trabalhar junto às comunidades.
Atualmente os teólogos da libertação,
apesar de honrosas exceções, sucumbiram.
Boa parte deles deixou a luta ao lado dos pobres
para dedicar-se a consolidação
de organizações por eles criadas.
Além do mais, há que se reconhecer
que a atual reversão das prioridades
pela qual passa a Igreja Católica Apostólica
Romana se viabilizou porque sua hierarquia neutralizou
os efeitos da reflexão que tinha a pobreza
como principal desafio religioso, econômico
e político. Como conseqüência
desta reversão de prioridades, os articuladores
do atual discurso teológico católico
oficial conseguiram se alinhar às expectativas
espiritualizantes de um segmento católico
mais conservador que não está
preocupado com o exercício da solidariedade.
A famosa pregação libertadora
de transformação econômica
e política da sociedade, que era entendida
como exigência religiosa para a comunhão
com Deus, deixou de ter prioridade fazendo com
que a ação política dos
cristãos não tenha como meta a
emancipação dos pobres, mas sim
a consolidação da Igreja. Por
esta razão, se pode dizer que apesar
de ter sido muito importante para as gerações
dos anos 1960 e 1970, hoje a Teologia de Libertação
esta sufocada. Se não houver por parte
dos vários seguimentos mais progressistas
da cristandade, sejam eles católicos
ou protestantes, por uma radical e atualizada
volta à opção pelos pobres,
a Teologia da Libertação entrará
para história como um movimento marginal
que adormece esperando que as cinzas que escondem
suas brasas sejam assopradas.
Por fim, a pesquisa realizada para este artigo
nos possibilitou entrar em contato com um assunto
que nos era de particular interesse, porém,
que pouco conhecíamos. Nossa pesquisa
se deu principalmente pela leitura e comparação
da bibliografia histórica e teológica
a respeito da temática. Durante a leitura
da bibliografia sobre o tema, percebemos que
durante o período imediatamente posterior
ao AI-5 (1968) a oposição ao regime
civil-militar foi calada no Brasil, seja pela
perseguição, tortura e cassação
ou pelo exílio e auto-exílio que
os opositores se viram obrigado a se submeter.
Estes fatores colaboram com nossa hipótese
inicial de que a resistência, a oposição
e o movimento de conscientização
anti-ditatorial foram mantidos pelos adeptos
da Teologia da Libertação ou por
aqueles que por ela foram influenciados, mesmo
após o fim da ditadura.
|
Referências
ALMEIDA,
Maria Hermínia Tavares de; WEIS, Luiz.
Carro Zero e Pau-de-Arara: o cotidiano da oposição
de classe média ao regime militar. In:
SOUZA, Laura de Mello e; SEVCENKO, Nicolau;
NOVAIS, Fernando A. História da vida
privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao
Feudalismo. 5ª Ed. São Paulo: Brasiliense,
2004.
BETTO, Frei. Organização Social
e Política Brasileira: introdução
à política brasileira. 15ª
ed. São Paulo: Editora Ática,
1991.
BETTO, Frei. O que é Comunidade Eclesiástica
de Base. São Paulo: Brasiliense, 1981.
BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. 19ª
ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
BOFF, Leonardo. Igreja Carisma e Poder. Petrópolis:
Vozes, 1982.
BOFF, Leonardo; REGIDOR, J.R.; BOFF, Clodivis.
A Teologia da Libertação: balanço
e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Ática,
1996.
BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Como Fazer Teologia
da Libertação. 8ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2001.
BORDIN, Luigi. O Marxismo e a Teologia da Libertação.
Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1987.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento
Sem Terra: escola é mais do que escola.
Petropolis: Vozes, 2000.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida
Neves. O Brasil Republicano: o tempo da experiência
democrática – da democratização
de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.
FICO, Carlos. Espionagem. Polícia Política,
Censura e Propaganda: ops pilares básicos
da repressão. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano.
Volume IV. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
GONÇALVES, Pe. Dr. Paulo Sérgio
Lopes. Epistemologia e Método do Projeto
Sistemático da teologia da Libertação.
Petrópolis: Vozes, 2000.
HABERT, Nadine. A década de 70: apogeu
e crise da ditadura militar brasileira. São
Paulo: Ática, 1992.
HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil-Colônia
(1550-1800). São Paulo: Brasiliense,
1982.
JURKEVICS, Vera Irene. Renovação
Carismática Católica: Reencantamento
do Mundo. Disponível em: <http://www.ufpr.br>.
Acesso em 04 de jun. 2009.
LIBÂNIO, Kenneth. Uma Teologia a partir
da Prática Libertadora dos Pobres. In:
Revista História Viva, Edição
Especial Temática nº. 2. A Igreja
Católica no Brasil: Fé e Transformações.
Setembro de 2007, pp. 44-49.
PIXLEY, Jorge. A História de Israel a
partir dos Pobres. 10ª ed. Petrópolis:
Vozes, 2008.
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. CEBs O Triunfo
do Povo da Periferia. In: Revista História
Viva, Edição Especial Temática
nº. 2. A Igreja Católica no Brasil:
Fé e Transformações. Setembro
de 2007, pp 76-83.
SERBIN, Kenneth. A Voz dos que não tem
Voz. In: Revista História Viva, Edição
Especial Temática nº. 2. A Igreja
Católica no Brasil: Fé e Transformações.
Setembro de 2007, pp. 16-23.
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: Visões
Críticas do Golpe: democracia e reformas
no populismo. Campinas: Ed. UNICAMP, 1997.
|