
Lula discursa para metalúrgicos, década de 1970.
História Livre - História Brasil - Governo Lula
GOVERNO
LULA: UM NOVO POPULISMO?
Resenha
crítica ao artigo “O Social no Governo
Lula: a construção de um novo
populismo em tempos
de aplicação
de uma agenda neoliberal” de Rosa Maria Marques
e Áquilas Mendes
Marcos
Emílio Ekman Faber
Inicio a resenha analisando o ano de publicação
do artigo: 2006, ou seja, no último ano
do primeiro mandato de Luis Inácio Lula
da Silva. Isso quer dizer que o artigo foi escrito
com uma impressão a respeito do primeiro
mandato presidencial de Lula, portanto não
serve como referência ao governo como
um todo. Também muito importante é
o fato de o artigo se referir a História
do Tempo Presente, em minha opinião,
existe um grande problema em se realizar uma
análise sobre a história enquanto
se está imerso dentro dos acontecimentos,
escrever sobre História quando ela ainda
está em andamento é no mínimo
arriscado, pois é mais difícil
de ter um afastamento ou um distanciamento necessário
para uma análise equilibrada. Outro fator
que problematiza este tipo de análise
é não se ter acesso a todos os
dados e documentos disponíveis sobre
o tema pesquisado, assim como também
não é possível prever o
que ainda não aconteceu, portanto, o
artigo em questão somente tem validade
se lido como uma análise do primeiro
ano de mandado presidencial de Lula, não
com relação ao governo como um
todo. Feito estes esclarecimentos analiso o
artigo ciente de que sofrerei do mesmo problema
que os autores do artigo, pois certamente minha
análise estará impregnada com
minhas posições políticas
a respeito do governo petista, isto ficará
claro ao longo do texto.
Rosa Maria Marques e Áquilas Mendes iniciam
o texto escrevendo sobre a fundação
do Partido dos Trabalhadores (PT) e as mudanças
ocorridas no partido para que este deixasse
de ser um representante do “novo sindicalismo”,
que lutava contra ditadura e com as estruturas
sindicais tradicionais, para transformar-se
num representante das diferentes classes sociais
brasileiras, isto é, para os autores
o PT rompeu com suas bandeiras históricas
para transformar-se num partido social-democrata
conservador típico do pós-URSS.
Para confirmar sua versão os autores
citam o caso das expulsões das alas mais
à esquerda do partido – Heloisa Helena,
Babá, Luciana Genro, entre outros (fundadores
do PSOL). Citam que estas transformações
no partido ocorreram somente após o PT
chegar à presidência do Brasil.
Neste ponto faço minha primeira crítica
ao texto, pois era bastante óbvio que
o governo Lula não iria ser um governo
revolucionário, afinal não sequer
houve uma revolução, também
é óbvio que o governo Lula não
está a serviço dos interesses
do capitalismo internacional, pois desde o início
o governo petista tem buscado autonomia política
no campo internacional, para confirmar isto
basta analisarmos a posição do
governo com relação à busca
por um lugar no Conselho de Segurança
da ONU e em sua atuação em Missões
de Paz da mesma instituição, assim
como as negociações brasileiras
no exterior na busca de alianças comerciais
independentes: China, países árabes,
França, entre outros.
Os autores também parecem desconsiderar
que o modelo político brasileiro praticamente
inviabiliza um governo que não tenha
maioria no Congresso, portanto a governabilidade
obrigatoriamente passa por um governo de coalizão.
Neste sentido o governo petista sempre buscou
aliados que lhe garantissem a governabilidade
do país. Sem aliados como o Partido Liberal
(PL), do vice-presidente José de Alencar,
e o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), o governo petista não
teria maioria necessária para aprovação
de seus projetos de governo para o país.
Os autores também fazem crítica
ao relacionamento do governo federal com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), pois o
PT sempre foi contrário a atuação
deste fundo no país e agora rapidamente
quitou suas dívidas com tal instituição.
Este caso é bem interessante, pois os
autores parecem preferir que o governo declarasse
moratória ao FMI ao invés de quitar
seus débitos. O curioso é que
em caso de moratória, o governo federal
não conseguiria sua autonomia política
no campo internacional e no caso de manter estes
débitos, jamais conseguiria se desvencilhar
da cartilha neoliberal do FMI.
Os autores também defendem que o governo
Lula amordaça os movimentos sindicais
que estão afiliados a Central Única
dos Trabalhadores (CUT). Neste sentido concordo
com os autores, pois esta instituição
tem caminhado ao lado do governo federal apoiando
este em várias decisões. Também
concordo que ao amordaçar os movimentos
sindicais o governo anestesia a luta de classes
no seio do país. Porém, a relação
feita pelos autores aos sindicatos do período
populista é desproporcional.
Ao escreverem sobre o Bolsa Família,
os autores relatam o fracasso operacional do
Programa Fome Zero, sugerindo que este programa
foi criado para cooptarem as classes mais humildes
para o seu lado. Porém, os mesmos autores
confirmam os benefícios do Bolsa Família
tem proporcionado em todo o país, mesmo
em áreas mais desenvolvidas e ricas do
país, citando o caso de Caxias do Sul,
uma cidade com IDH alto e que o programa tem
atingido uma significativa parcela da população.
Os autores afirmam que o programa é sem
paralelo na história do país no
que se refere à transferência de
renda para famílias pobres. Mas os autores
têm razão ao citarem que tal programa
tem criado uma dependência de muitas destas
populações aos recursos recebidos
pelo programa. É bastante claro que neste
sentido é criada uma relação
clientelista entre o presidente Lula e as camadas
mais pobres do país, pois na falta de
organização destas populações
o vínculo com o presidente passa a ser
direto.
A última parte do texto, os autores escrevem
sobre o que chamam de “novo populismo”,
"O
termo populismo aqui utilizado se funda na sua
acepção política: “ação
política que toma como referência
e fonte de legitimidade o cidadão comum,
cujos interesses pretende representar” ou “política
fundada no aliciamento das classes sociais de
menor poder aquisitivo” (Aurélio, 1999).
Não se trata, portanto, do uso atualmente
corrente na ciência econômica, em
que populismo está associado ao governo
que gasta mais do que arrecada" (MARQUES;
MENDES, 2006, p. 70).
É bastante óbvio que o governo
Lula tem cooptado grandes parcelas da população
brasileira para o seu lado. O que discordo dos
autores, neste sentido, é que as políticas
assistencialistas do governo Lula são
apenas para garantir sua base de sustentabilidade.
Em minha opinião, estas medidas visam
melhorar a distribuição de renda
no país, pois os próprios autores
deixam claro que quase 70% dos recursos do Bolsa
Família atingem as regiões Norte
e Nordeste do país e tem criado um mercado
consumidor de alimentos que não tem precedentes
na região, ou seja, o programa tem auxiliado
numa melhor qualidade de vida nestas regiões
e criado um novo mercado de trabalho nestas
áreas que podem a médio e longo
prazo possibilitar o desenvolvimento de uma
economia voltada para a agricultura e a pecuária.
Neste sentido o Bolsa Família tem cumprido
um de seus objetivos, o de combater a fome no
país, o que foi o carro chefe do programa
de governo que elegeu Lula como presidente:
erradicar a fome no país.
O artigo é finalizado com a seguinte
conclusão:
" Assinalar estes aspectos da política
do governo Lula não significa, no entanto,
desconhecer a realidade em que vivem os milhões
de beneficiados com os programas de transferência
de renda. Ao contrário, dentro de uma
política de universalização
dos diferentes ramos da proteção
social, a garantia de renda tem lugar de destaque,
mas que seria entendida como um direito. E tal
avanço não seria acompanhado com
a implantação de um “Estado mínimo”
nos outros ramos da proteção social."
(MARQUES; MENDES, 2006, p. 73).
Como o artigo foi escrito ainda durante o último
ano do primeiro mandato de Lula, é claro
que os autores não tinham como prever
aquilo que iria ocorrer em caso de reeleição
do presidente, como de fato ocorreu, e nem tinham
como prever quais as políticas adotadas
pelo governo em seu segundo mandato. Em 2009,
o governo Lula criou alguns projetos que atingiram
as classes médias nacionais, por exemplo,
cito o Projeto Minha Casa Minha Vida, que possibilitou
a consumação do sonho de aquisição
da casa própria por famílias com
renda de até mil e duzentos reais, sendo
que ainda possibilita um subsídio do
governo federal que pode chegar a até
11 mil reais para aquisição de
moradias na planta com valor de até cem
mil reais. Políticas como estas incentivam
a construção civil em um momento
em que a economia global neoliberal está
em crise, curiosamente com origem no problema
habitacional estadunidense. Também é
importante lembrarmos que durante os últimos
anos a economia nacional foi criticada por seu
zelo com relação à manutenção
da estabilidade sem que existisse paridade do
real com o dólar, hoje percebemos que
exatamente esta política garantiu ao
país passar pela crise mundial sem grandes
sobre-saltos.
Quando os autores afirmam que o governo Lula
é uma continuação do governo
neoliberal de Fernando Henrique Cardoso é
significativo lembrar que FHC alardeava que
o salário mínimo ideal para o
país era o equivalente a cem dólares,
em 2009 o salário mínimo está
superior a trezentos dólares, creio que
esta diferença seja muito significativa
no que se refere ao objetivo final de cada um
dos governos, enquanto FHC diminuía os
gastos do governo – Estado Mínimo – inclusive
com o que se refere à Previdência
Social e, portanto, o salário mínimo
não poderia ser superior aos cem dólares,
o governo Lula age em prol de uma maior distribuição
de renda e procura resolver o problema da Previdência
em cima das aposentadorias irregulares, principalmente
revendo as aposentadorias por invalidez.
Acredito que chamar o governo Lula de um “novo
populismo” é ridículo. A não
ser que por “novo populismo” sejam entendidas
políticas que visem uma melhor distribuição
de renda no país, o que os autores deixaram
claro que não é o caso.
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