Foto da década de 1930. Construção do viaduto da avenida Borges de Medeiros no centro de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
História Livre - História do Brasil - Resenha
RESENHA DE HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL DE CAIO PRADO JUNIOR
Marcos
Emílio Ekman Faber e Ismael Wolf Orientadora: Dra. Ana Inez Klein
Introdução
Caio Prado Júnior formou-se em Direito
em 1928 na USP, em 1956 obteve a Livre Docência
com a tese Diretrizes para uma Política
Econômica Brasileira (USP). Foi eleito
Deputado Estadual em 1947 pelo PCB, porém
teve o mandato cassado em função
da ilegalidade em que o partido foi submetido
durante o Estado Novo. Entre suas principais
obras estão: História do Brasil
Contemporâneo, A Revolução
Brasileira e História Econômica
do Brasil, que resenhamos neste trabalho. As
obras do autor estão disponíveis
pela Editora Brasiliense do qual é o
fundador.
O livro História Econômica do Brasil,
como sugere o nome, é uma obra cujo referencial
teórico é o marxismo, história
econômica. A abordagem da obra é
ampla, desde o início da colonização
até o século XX (1970). A tese
central de Caio Prado Júnior está
em sua afirmação de que houve
um sistema colonial brasileiro, sistema de moldes
pré-capitalistas - modo de produção
pré-capitalista -, ao qual se refere
como “velho sistema” que durou do início
da colonização até o final
da Segunda Guerra Mundial. No pós-Guerra
o país mergulhou definitivamente no sistema
capitalista. As forças capitalistas já
haviam surgido no período anterior, principalmente
entre os grandes cafeicultores paulistas, o
autor lembra que as elites emergidas nos períodos
anteriores, tais como os senhores do engenho
e os grandes mineradores que acumularam grande
riqueza, não souberam discernir o novo
momento e, portanto, tornaram-se os grandes
opositores das transformações
que a nova elite necessitava, estes antigos
senhores, segundo o autor representam até
nossos dias as forças de oposição
a qualquer tentativa de transformação
de que o país necessita. Outro problema
enfrentado para que houvesse um desenvolvimento
econômico nacional foi a dependência
dos mercados e do capital externo, o que fez
com que nossa economia fosse sempre periférica.
História Econômica do Brasil
Caio Prado inicia a obra descrevendo as características
geográficas do Brasil e do caráter
inicial da formação econômica
brasileira, a extração do Pau-Brasil,
e do contexto econômico internacional,
o capitalismo comercial e a expansão
marítima. O inicio da colonização
brasileira é associada ao novo momento
vivido pelo despertar do capital mercantil na
Europa. A extração de matéria-prima
do solo colonial atendia as necessidades comerciais
européias. O “descobrimento” da América
pelos europeus e a conquista de colônias
na Ásia inauguraram um novo momento histórico:
o Antigo Sistema Colonial. Por “sistema colonial”,
o autor esta se referindo a um sistema pré-capitalista
de produção, onde há um
Estado forte e centralizador que atende aos
interesses da burguesia mercantil local e a
colônia de exploração que
fornece as matérias-primas necessárias
aos interesses comerciais da metrópole.
Caio Prado Júnior ao se referir ao sistema
econômico colonial se refere a um sistema
próprio que, apesar de ligado ao capitalismo,
é independente dele, trata-se de um sistema
que cria as bases para o sistema capitalista
emergente, é por tanto, um modo de produção
independente do capitalismo.
Caio Prado Junior passa a descrever o povoamento
colonial, afirmando que inicialmente o povoamento
da América não é interessante.
Os interesses europeus no continente são
estritamente comercias.
“Nestas condições, ‘colonizar’
ainda era entendido como aquilo que dantes se
praticava; fala-se em colonização,
mas o que o termo envolve não é
mais que o estabelecimento de feitorias comerciais”
(p. 16).
Esta
afirmação é de comum acordo
com a de Celso Furtado em Formação
Econômica do Brasil de que a ocupação
da colônia atendia a uma necessidade expansionista
do capital comercial europeu. A decadência
da exploração de matéria-prima,
principalmente no que se refere ao Pau-Brasil,
foi rápida e teve como principal motivo
o esgotamento das reservas naturais.
Caio Prado Júnior descreve as características
da ocupação do território,
que ocorre a partir do litoral. O interior continua
hostil e economicamente desinteressante. A economia
passa a ser ligada às plantações
de açúcar, produto com grande
mercado na Europa, e a agricultura de subsistência.
Surgem, assim, as primeiras aristocracias oligárquicas
regionais do país. O que o autor não
relata é que boa parte do capital ali
investido viera dos Países Baixos. Segundo
Celso Furtado, “existem indícios abundantes
de que os capitais holandeses não se
limitaram a financiar a refinação
e comercialização do produto.
Tudo indica que capitais flamengos participaram
no financiamento das instalações
produtivas no Brasil bem como no da importação
da mão-de-obra escrava” (FURTADO, 2007,
p. 34). A decadência do comércio
de açúcar ocorreu principalmente
em função da concorrência
do açúcar antilhano. Em meados
do século XVII, a Holanda invadirá
a região de Pernambuco. Nesta época
os holandeses já estavam vivendo a fase
de um capitalismo financeiro e necessitavam
reinvestir os capitais acumulados, as companhias
holandesas que invadiram o Brasil eram privadas
e financiadas por seu próprio sistema
financeiro.
Ao descrever a expansão comercial (1640
– 1770), Caio Prado Júnior, inicia o
texto com o final da União Ibérica
e os resultados nefastos que esta união
representou para Portugal. Complementando a
isto, Celso Furtado alerta para o fato de que
Portugal perdeu parte de seus entrepostos orientais
“ao mesmo tempo que a melhor parte da colônia
americana era ocupada pelos holandeses” (FURTADO,
2007, p. 63). Os holandeses somente serão
expulsos do Brasil após a ruptura portuguesa
com a Espanha. Estas transformações
levaram a uma profunda mudança nas políticas
portuguesas na colônia. Iniciou-se um
período de incentivo a emigração
para o Brasil. Afora o monopólio de certas
atividades, os colonos não encontravam
embaraço algum de ordem econômica,
poderiam exercer livremente suas atividades,
tanto dentro da colônia quanto em relação
com o comércio exterior. Esta nova política
econômica da metrópole sobre o
Brasil significou que o “liberalismo do passado
substituía um regime de monopólios
e restrições destinados a dar
maior amplitude possível à exploração
e aproveitamento da colônia, e canalizar
para o Reino o resultado de todas as atividades”
(p. 55). O objetivo de Portugal passa a ser
retirar da colônia os produtos que melhor
possam ser comercializados na Europa, gerando
riqueza à metrópole. Os principais
gêneros são o açúcar,
o algodão e o cacau.
Com a descoberta das minas gerais, iniciam-se
modificações na economia brasileira,
pois há transferência de parte
da mão-de-obra das plantações
de açúcar para as jazidas. O eixo
econômico colonial é transferido
do nordeste para a região da mineração.
Nas minas existiam dois tipos de trabalhadores:
os das lavras, mão-de-obra escrava, e
os faiscadores, livres e autônomos. Os
escravos em sua maioria eram deslocados dos
engenhos, atendendo a necessidade de exploração
das jazidas. As minas gerais exigiram a criação
de uma economia secundária de abastecimento
aos mineradores. “A agricultura e mais em particular
a pecuária desenvolver-se-ão grandemente
nestas regiões” (p. 65). Os metais preciosos
retirados do solo colonial eram enviados para
a metrópole, apesar do alto nível
de prosperidade da região, estes metais
não geraram grande riqueza à colônia.
O esgotamento das jazidas será o principal
motivo da decadência da mineração.
A nova conjuntura internacional gerada pelo
Pacto Colonial, leva ao renascimento agrícola
do Brasil. A Colônia fica na obrigação
de ofertar produtos de gêneros tropicais
a Metrópole por preço baixo, enquanto
que toda a manufatura consumida na Colônia
deve ser exclusivamente adquirida da Metrópole.
Antes a produção era de base no
açúcar, porém com a queda
dos preços deste produto no mercado internacional,
a Colônia passou a buscar alternativas
de produção, passou-se a plantar
o algodão, visando o mercado europeu,
principalmente as manufaturas inglesas. A indústria
complementar à agricultura continuou
muito atrasada. O autor escreve também
sobre a incorporação do Rio Grande
do Sul ao Brasil. A importante região
de defesa fronteiriça passou a desempenhar
papel importante com o abastecimento de gado
e mulas para o centro da colônia, com
o tempo passou-se a investir nas charqueadas,
surgindo uma elite pecuária no sul. A
economia sulina foi essencialmente de abastecimento
do mercado interno colonial.
Ao tratar da Era do Liberalismo, Caio Prado
Júnior afirma que
“(...) o antigo sistema colonial, fundado
naquilo que se convencionou chamar Pacto Colonial,
e que representa o exclusivismo do comércio
das colônias para as respectivas metrópoles,
entra em declínio” (p. 123).
Até
o século XVII o capital que dominava
era o comercial, somente no século XVIII
o capital industrial se desenvolverá
hegemonicamente. Há uma revolta contra
os monopólios e quebra do Pacto Colonial,
os Impérios Ibéricos entram em
declínio. As Metrópoles tornam-se
em parasitas das Colônias. Os resultados
destas mudanças não deixaram de
contribuir para o desenvolvimento econômico
brasileiro, sendo “um primeiro passo nesta grande
transformação que se ia operar
no país” (p. 131). A nova conjectura
mundial eleva a Inglaterra para o centro econômico
do planeta.
Os efeitos desta liberdade comercial gerada
pelo estímulo econômico leva a
transferência da coroa portuguesa para
o Brasil. A Abertura dos Portos leva a economia
brasileira a um avanço nunca antes alcançado.
A coroa portuguesa, porém, eleva os gastos
da colônia. A chegada dos nobres ao Brasil
leva a uma grande mudança nos hábitos
coloniais, causando uma sofisticação
das elites locais. Estas transformações
levam a elevação dos custos de
importações de produtos de luxo.
Nisto o Brasil viverá em constante déficit
orçamentário levando à
crise do regime servil e fim do tráfico.
Na verdade com o advento do capital industrial
é necessária uma mudança
nas estruturas econômicas coloniais, é
preciso estimular o comércio interno
que só poderá existir com o surgimento
de uma classe de trabalhadores livres, ou seja,
não há lugar para a mão-de-obra
escrava.
A segunda metade do século XIX até
o final do Império se caracterizará
pela aurora burguesa. A grande transformação
se dará na revolução da
distribuição das atividades produtivas.
O renascimento agrícola será impulsionado
pela Abertura dos Portos e da emancipação
política. A crise do açúcar
leva a decadência da força política
do norte e nordeste. O sudeste é favorecido
com a cultura do café, artigo que encontra
grande mercado na Europa. O café representa
a última das três grandes aristocracias
do país - senhores de engenho, grandes
mineradores e barões do café.
A pressão pela abolição
leva a recrutar-se mão-de-obra na imigração
européia. São Paulo toma a dianteira
econômica nacional. O país entra
em franca prosperidade e ativação
econômica. Esta nova aristocracia ao contrário
das anteriores passa a reinvestir capitais,
principalmente na nascente indústria
brasileira. Cabe aqui uma citação
de Celso Furtado que complementa a afirmação
de Caio Prado ao se referir ao café como
o:
“(...) produto que permitiria ao país
reintegrar-se nas correntes em expansão
do comércio mundial; concluída
sua etapa de gestação, a economia
cafeeira encontrava-se em condições
de autofinanciar sua extraordinária expansão
subseqüente, estavam formados os quadros
da nova classe dirigente que lideraria a grande
expansão cafeeira” (FURTADO, 2007, p.
172).
Com
a República, Caio Prado Júnior
descreve o alargamento e a expansão das
forças produtivas e o progresso material
nacional. O problema da mão-de-obra foi
resolvido com a abolição da escravatura
e com a imigração européia,
porém a substituição da
mão-de-obra prejudicará a grande
propriedade, principalmente no norte e nordeste.
A transição leva o país
a uma grande crise econômica. As falências
bancárias levam as reformas de 1898 que
beneficiam a entrada de capital financeiro estrangeiro
no país. Esta alteração
leva a prosperidade das lavouras de café,
cacau e modernidade das pequenas propriedades.
O capital acumulado por estes foi revertido,
em parte, na implementação da
indústria, principalmente em São
Paulo.
Porém, a industrialização
enfrentou obstáculos, tais como a carência
de energia, falta de siderurgia e, principalmente,
ausência de mercados consumidores, sem
o qual não se pode produzir em larga
escala.
Se por um lado a indústria encontrou
algumas dificuldades infra-estruturais, por
outro, encontrou facilidades, tais como, incentivo
e incremento à produção
de matérias-primas e o baixo custo da
mão-de-obra, que neste momento tornara-se
abundante. Outro fator importante ao desenvolvimento
industrial brasileiro foi a Primeira Guerra
Mundial que deu um grande impulso à indústria
e à economia nacional.
O imperialismo forneceu os elementos necessários
para o desenvolvimento econômico do país,
mas por outro lado, “foi acumulando um passivo
considerável e tornou cada vez mais perturbadora
e onerosa sua ação” (p. 270).
Caio Prado Júnior completa a obra com
a o período de crise, onde o Brasil enfrenta
a crise gerada com o final da Primeira Guerra
Mundial e o fim do imperialismo. Dificuldade
em importar combustíveis, crise do café,
transporte marítimo paralisado e crise
do cacau. Há a necessidade de transformações
nas estruturas produtivas, necessidade de ampliação
do mercado interno e progresso tecnológico.
“A transformação que apesar
de tudo se operou, fez-se muitos vezes defeituosa,
freqüentemente apenas como expediente oportunista
em frente a embaraços que iam surgindo”
(p. 298).
A
Segunda Guerra Mundial trouxe grandes transformações
no cenário internacional. A indústria
nacional não abastecerá somente
o mercado interno, mas também o externo,
principalmente América Latina, África
do Sul e Estados Unido da América, principalmente
com tecidos. O equilíbrio econômico
nacional dado pela guerra é circunstancial
e passageiro, com o final da guerra à
crise volta. Dois anos depois do fim da guerra
a balança comercial já é
deficitária. Recorre-se novamente ao
controle das importações. Porém,
a situação só melhora com
a valorização do café.
O grande problema para o desenvolvimento econômico
nacional, enquanto parte do sistema imperialista,
é atuar sempre de acordo com os interesses
dos trustes aqui instalados.
A crise gerada pelo final da Segunda Guerra
Mundial forja “as forças e fatores renovadores
que desvendam largas perspectivas, para a reestruturação
da economia brasileira” (p.342). A reestruturação
trata de apressar o processo de transformação,
realizando a reforma estrutural necessária
a economia brasileira, transformação
inserida na nova realidade internacional, o
país entra no sistema capitalista.
O capitalismo representou uma ruptura nas antigas
estruturas colônias, pois o capital industrial
não possui a mesma lógica do capital
comercial, foram necessárias várias
alterações na estrutura econômica
nacional. Em primeiro lugar a reestruturação
teve que partir da alteração da
mão-de-obra, como a viabilização
e criação de um proletariado,
o que inviabilizava a existência do trabalho
servil, problema que é parcialmente resolvido
com a abolição e com as imigrações
européias. Em segundo lugar, existe a
necessidade de mercados consumidores, problema
que foi resolvido, em parte, com a quebra dos
monopólios comerciais e com a restrição
das importações. Estas alterações
atingiram diretamente as antigas aristocracias
que viram seu poder econômico reduzido,
por isso tornaram-se opositores do novo sistema.
O livro de Caio Prado Junior, um clássico
da historiografia brasileira, é sem dúvida
um livro que necessita ser mais estudado e analisado
nos cursos de História em nosso país.
Apesar de ter sido escrito na década
de 1950, sendo atualizado em 1970, e estar ultrapassado
em alguns aspectos, o livro continua atualíssimo
e fornece as ferramentas para uma análise
aprofundada da de nossa história econômica.
História Econômica do Brasil não
é leitura obrigatória somente
a marxistas, mas a todos os interessados em
desvendar as estruturas econômicas de
nosso país, principalmente os que sonham
com um Brasil mais justo.
Porto
Alegre, 22 de novembro de 2007.
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