Em
janeiro, durante minhas férias, assisti
à peça A Comédia dos Erros
de William Shakespeare. Segundo alguns estudiosos,
esta teria sido a primeira peça escrita,
dirigida e interpretada pelo autor. A versão
que tive o privilégio de assistir foi
montada pelo excelente grupo teatral porto-alegrense
Stravaganza.
Na Comédia dos Erros, Shakespeare nos
conta a história de dois irmãos
gêmeos idênticos, ambos chamados
Antífolo e acompanhados de seus servos,
também gêmeos e, também,
com mesmo nome: Drômio. Na história
os irmãos, separados na juventude por
um naufrágio, empreendem uma busca um
pelo outro.
A peça trata de encontros e desencontros
entre os dois personagens e seus servos. Shakespeare,
como poucos, desenvolveu uma trama hilariante
onde os personagens passam por várias
situações de conflito quando os
dois irmãos e seus servos estão
na mesma cidade, Éfeso (Grécia),
mas sem que um saiba da presença do outro.
Com isso, os dois irmãos passam a ser
confundidos pela população local
causando uma série de problemas um para
o outro.
O auge da confusão acontece quando a
esposa do Atífolo de Éfeso briga
com o cunhado acreditando tratar-se do marido.
Em meio à confusão, a mulher questiona
o cunhado sobre uma série de assuntos,
o gêmeo, sem entender, responde acreditando
se tratar de outro assunto, como as respostas
estão desencontradas a esposa acredita
que o marido esta louco. A confusão somente
chega ao fim quando os irmãos finalmente
se encontram.
Também durante minhas férias,
me deparei com um artigo publicado no jornal
Zero Hora (13/01/2011) assinado pelo advogado
e jornalista Cleber Benvegnú. Neste artigo,
cujo título é “Quando a culpa
também é do professor”, o autor
trata dos problemas da educação
no Brasil. Segundo Benvegnú, os maiores
culpados pela má qualidade do ensino
em nosso país são os próprios
professores. Para ele, os professores preferem
reclamar da baixa remuneração,
das péssimas condições
das escolas e da má educação
dos alunos ao invés de se aperfeiçoar
e atualizar. Também segundo advogado-jornalista,
se os professores reclamassem menos e trabalhassem
mais, a educação no Brasil seria
muito melhor do que é.
Mas o maior problema desta discussão
é que cada vez mais os veículos
de comunicação abrem espaço
para manifestações sobre os problemas
da educação no Brasil para pessoas
que não possuem formação
para isso. Cada vez mais estrangeiros da educação
tratam do assunto como se fossem especialistas
da área.
Ao invés de darem voz para profissionais
com a devida formação pedagógica,
os veículos de comunicação
brasileiros preferem ouvir o discurso de pessoas
que pouco ou nada sabem sobre a realidade pedagógica
e estrutural das escolas em nosso país.
O autor do referido artigo, um advogado-jornalista,
profere um discurso simplório (sem conhecimento
de causa) e recheado de preconceitos sobre a
classe dos professores, da qual se diz “filho
de um professor”, como se isso o credenciasse
a escrever o artigo.
Apesar de não ser especialista na área,
Benvegnú se comporta como um. O que diria
este autor se um professor criticasse a classe
dos advogados (credo!) ou dos jornalistas como
se fosse uma autoridade da área?
Como professor, leciono tanto na rede privada
quanto na pública, posso afirmar que
o professor reclamão retratado no artigo
de Benvegnú é uma minoria em nossas
escolas. O que não é minoria são
as péssimas condições em
que as escolas públicas se encontram.
Uma das escolas que leciono possui buracos no
chão, problemas de iluminação,
sala de informática defasada, ausência
de cadeiras e mesas em condições
de os alunos estudarem e ainda muitos outros
problemas. Mas mesmo assim, nós, professores,
trabalhamos e muito bem driblando as dificuldades.
É claro que existem os reclamões,
mas esses são minoria. A grande maioria
dos professores esta na profissão por
convicção, fato que não
exime as autoridades politicas de seu dever
de dar melhores condições de trabalho
e remuneração aos professores.
Benvegnú também escreve que os
professores devem buscar o aperfeiçoamento,
para melhor desempenharem sua profissão,
fato que concordo, porém, o que o autor
parece desconhecer é que a especialização
possui um custo e que muitos professores não
podem fazê-la simplesmente por que não
podem pagar por ela.
Como na Comédia dos Erros, onde a esposa
questiona o cunhado achando que conversa com
o marido, os veículos de comunicação
estão dando voz ao Antífolo errado.
Pois o Antífolo que ouvem é aquele
que desconhece o assunto que aborda, portanto,
não tem como apontar a solução
para o problema.
Esse é o grande erro dos estrangeiros
da educação que falam de problemas
e situações que desconhecem e
se desconhecem não podem apontar a solução
adequada. Assim como o Antífolo errado,
Benvegnú não pode responder corretamente
sobre situações que desconhece
pura e simplesmente porque não vive naquela
realidade.
Portanto, a melhora da educação
no Brasil passa necessariamente por dar voz
àqueles que podem realmente apontar soluções
para o problema, ou seja, os professores e os
profissionais da área, aqueles que vivem
da educação.
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