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O REINO DOS FRANCOS, CAZUZA, KARL MARX E A IDEOLOGIA

Marcos Emílio Ekman Faber
Porto Alegre, 01 de março de 2011.

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Numa certa manhã do século VI, o grande Clóvis, rei dos francos, acordou inquieto, chamou seu cavalariço e, antes do desjejum, cavalgou até a montanha mais alta de seu reino. De lá o rei pôde observar as mais longínquas fronteiras de seus domínios. Clóvis havia lutado muito para unificar as várias tribos germânicas que agora estavam sob seu comando.

Mas Clóvis sabia que faltava algo.

O reino dos francos era como uma muralha feita de pedras sobrepostas, porém, sem que houvesse argamassa que solidificasse o muro. Assim, se algum dos tantos inimigos arremetesse contra os francos, o muro ruiria. Clóvis sabia que a exemplo da muralha, as diversas tribos bárbaras que estavam debaixo de sua autoridade poderiam se desunir a qualquer momento. Clóvis necessitava criar algo que não só legitimasse seu domínio, mas que garantisse a união entre as tribos francas.

Nos anos 1980, um jovem músico brasileiro chamado Cazuza tinha a mesma inquietação de Clóvis.

Cazuza vivia numa sociedade muito mais complexa do que a do rei franco. Na época de Cazuza, a sociedade de consumo já dominava o país. O consumismo passava a ser quase uma religião, com a economia mundial girando em torno dela. Consumir se tornou status, quanto mais consome, mais importante é o individuo na sociedade. Porém, o principal malefício da sociedade de consumo está na alienação. Principalmente dos jovens que perdem a perspectiva sobre o futuro e passam a viver somente o presente.

Foi dentro desta perspectiva alienante, que Cazuza escreveu uma das músicas de maior importância para o cenário musical brasileiro dos anos 1980. “Ideologia” era uma crítica aos jovens daquele tempo. Apesar da origem burguesa, Cazuza conhecia a juventude brasileira dos anos 1960 e 1970, uma juventude que tinha protestado contra a ditadura, que havia lutado em guerrilhas e que buscava uma alternativa para o país. Mas ele também sabia que essa juventude tinha sofrido severas represálias por conta de tudo isso. Os jovens daquela época, mesmo que fossem a minoria, tinham suas convicções e lutavam por elas.

Ciente disso, Cazuza cantava de forma melancólica “ideologia, eu quero uma pra viver”, pois identificava na juventude brasileira dos anos 1980 uma alienação política muito perigosa para o futuro do Brasil. Para ele, os jovens de seu tempo, não tinham as mesmas convicções das épocas anteriores. Não lutavam por um mundo melhor, apenas se deslumbravam com o mundo que tinham pela frente. Os jovens brasileiros dos anos 1980 agonizavam pela falta de ideais de futuro e apenas aceitavam o mundo como ele era.

Mesmo assim, a música logo chegou ao topo das listas de rádios e programas televisivos. Muitos brasileiros cantarolavam o refrão, mesmo sem entender o real significado do que cantavam.

Outra pessoa que escreveu sobre a importância da ideologia foi Karl Marx.

No século XIX, Marx escreveu um livro ao qual batizou de “A Ideologia Alemã”, nele o pensador alemão afirmou que existe uma força invisível capaz de controlar a sociedade. Força esta que age nos fazendo acreditar que pensamos por nós mesmos, quando na verdade nossos desejos e ideias procedem desse poder que nos faz pensar de acordo com o que ele quer que nós pensemos. Esse poder, que é social, Marx chamou de ideologia.

Mas Marx não parou por ai, o pensador alemão afirmou também que sempre que a ideologia apresenta deformidades ou desgastes, torna-se necessário buscar uma alternativa, surgindo a oportunidade para o nascimento de uma nova ideologia.

Mas, voltando à história inicial. Lá do alto da montanha, Clóvis teve uma brilhante ideia que mudou a Europa e a civilização Ocidental para sempre. Clóvis percebeu que o cimento que uniria as diversas tribos germânicas debaixo de sua autoridade era a religião cristã e seu severo código de ética.

Até essa época os francos ainda cultuavam uma grande diversidade de deuses, em sua maioria deuses tribais. Cada uma das tribos germânica tinha seu deus protetor e obedecia a tradição de leis ancestrais. Clóvis percebeu que se os francos cultuassem um só deus, um deus que os unisse em sua devoção, eles aceitariam melhor a ideia de servirem a um só rei e, assim, a um código de leis unificado.

Um só deus, um só rei.

Foi dessa forma que Clóvis selou sua aliança com o papa e a Igreja Católica. O rei franco foi batizado, assim como todos os seus generais, e o cristianismo tornou-se a religião oficial do reino. Essa aliança representou o nascimento do maior de todos os reinos cristãos da Idade Média.

Sem que os chefes tribais percebessem, Clovis criou um forte aparelho de Estado que possibilitou a construção do Império Merovíngio que, anos depois, se transformaria no Sacro Império Romano, o maior império do mundo Ocidental desde Roma.

Clóvis não deixou passar a oportunidade e agiu transformando um pequeno reino no maior império de sua época.

Hoje (março de 2011), assistimos pela internet, rádio, jornais e televisão à queda de uma série de ditadores no mundo islâmico (Mubarak no Egito, Kadafi na Líbia e Ben Ali na Tunísia), tiranos que estavam no poder por décadas. Mas a derrubada desses regimes não ocorreu de uma hora para outra, foram necessários anos de preparação. Os movimentos reformadores vinham sendo construídos havia tempos, arregimentando milhares de seguidores ano a ano, principalmente entre os jovens (sem dúvida a maioria dos manifestantes). Jovens que lutam por um futuro melhor para si e para seus países, não aceitando mais a ausência de liberdade e a inexistência de participação política.

Mas e no Brasil?

Como afirma a música de Cazuza, será que nossas “ilusões estão todas perdidas”? Nossos “sonhos foram todos vendidos”? Afinal, “aquele garoto que ia mudar o mundo; agora assiste a tudo em cima do muro”.

O que faremos a respeito?

 

 


 
 

 

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